segunda-feira, 4 de julho de 2011

Meia Noite em Paris

Na abertura, Woody deixa de lado por um instante seus créditos minimalistas – letras brancas sobre tela preta – e passeia pela Cidade Luz ao som do clarinetista Sidney Bechet, seu ídolo musical. Paris surge numa sequência de cartões-postais, do nascer ao pôr do sol, e em segundos o sorriso salta fácil no rosto.
Os personagens são introduzidos com a mesma naturalidade, talvez por seguirem os moldes clássicos do cineasta. Owen Wilson interpreta Gil, um roteirista de sucesso em Hollywood, responsável por filmes "adoráveis, mas esquecíveis". Passeando com a noiva, Inez (Rachel McAdams), e os pais dela por Paris, ele só pensa em se mudar para lá, escrever seu primeiro romance e fazer algo relevante.
Enquanto fantasia com as ruas molhadas da cidade na década de 1920, sua "Era de Ouro" cultural, e se interessa em conhecer o restaurante onde James Joyce comia salsichas, Gil enfrenta o desinteresse de Inez, uma americana média ("eu nunca poderia viver fora dos EUA"), mais preocupada em ver detalhes do casamento, comprar uma casa em Malibu e ouvir seu ex-professor pedante (Michael Sheen).
E aí uma rachadura na realidade suga a história para um terreno bem mais interessante. Caminhando bêbado pela cidade, Gil se perde e ouve 12 baladas no relógio. Quando vê, está dentro de um Peugeot antigo, indo parar numa festa para o cineasta francês Jean Cocteau, ouvindo Cole Porter tocar piano e numa roda de conversa com Scott e Zelda Fitzgerald, Ernest Hemingway, T.S. Eliot e outros heróis. Não demora e ele está apaixonado pela sensual Adriana (Marion Cotillard), amante de Picasso, ex de Modigliani e Braque – uma "art groupie", portanto.
O túnel do tempo serve de pretexto para Woody refletir sobre as ilusões que temos sobre a existência – o diretor continua o fatalista de sempre, debaixo da máscara da comédia – e lotar o filme de referências. O roteiro brinca com Salvador Dalí, Man Ray, Luis Buñuel (o que rende uma ótima piada com os surrealistas e "O Anjo Exterminador") e as participações especiais abrem espaço para pontas célebres de Kathy Bates, Adrien Brody e Carla Bruni, uma guia de museu sem grande apelo.
Não é a primeira vez que o fantástico povoa o universo do cineasta. "A Rosa Púrpura do Cairo" (85), "Simplesmente Alice" (90) e o episódio de "Contos de Nova York" (89) já flertavam com a fantasia contaminando a realidade, no geral com grande sucesso. "Meia-Noite em Paris" não é diferente, para provar que o nonsense é um ingrediente fértil na criação de Allen.
O diretor, aliás, não deixa de colocar seu alterego em cena. Owen Wilson incorpora, sim, os trejeitos do neurótico clássico e atrapalhado, mas transforma-os em algo próprio. Não é exagero dizer que é um dos melhores trabalhos de sua carreira.
Dos coadjuvantes, Michael Sheen, como o professor sabe-tudo insuportável, é de longe o destaque. Rachel McAdams, conhecida por "Sherlock Holmes", está mais linda do que nunca, embora seu papel não ajude muito – no núcleo "real", os personagens são automáticos, na inércia do que Woody escreveu no passado. A impressão que se tem é que ele focou suas energias no resto da história. Visto o resultado, não se pode censurá-lo por isso.
Até porque Woody Allen tem insights preciosos sobre a função da arte e o vazio da nostalgia, que move a trama de "Meia-Noite em Paris". Grosso modo, o diretor defende que não vale a pena idealizar o passado porque a vida é ruim assim mesmo, não importa a época. Nada edificante, verdade, mas é só olhar para Paris, filmada pelas lentes do fotógrafo franco-iraniano Darius Khondji ("Igual a Tudo na Vida", "Beleza Roubada", "Ladrão de Sonhos"), que qualquer ideia pessimista se dissipa.
O que fica, isso sim, é uma sensação tão agradável e inebriante que fica difícil acreditar numa existência miserável. O entretenimento impera e a Cidade Luz resplandece. É bom ter Woody Allen de volta.

 Fonte Canal IG 16/06/2011




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