quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Nota de Repúdio ao Plano Brasil contra o Crack

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Em dezembro do ano passado, a garota Stephanie, de 12 anos, morreu num dos hospitais da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo após uma auxiliar de enfermagem se enganar e administrar à paciente, em vez de soro, vaselina, o que acabou por entupir suas veias. Oito meses antes, um piloto alinhou incorretamente o avião na hora de pousar, matando o presidente polonês e mais 94 pessoas em Smolensk, na Rússia. O maior acidente de trem de Los Angeles aconteceu em 2008, quando um engenheiro não percebeu o sinal vermelho e provocou uma colisão que deixou 25 mortos e 135 feridos. Errar, além de humano, é terrivelmente comum. Entre os acidentes de carro em rodovias brasileiras, a maior parte acontece em dias de tempo bom, numa reta e com a pista seca. Nossa vida está cheia de chaves esquecidas, senhas perdidas, cálculos incorretos, trocas de nomes e coisas que estão debaixo do nosso nariz e, ainda assim, não conseguimos encontrar. Sejam erros triviais ou dramáticos, por que não paramos de cometê-los? 


Resumidamente, porque somos influenciáveis, excessivamente confiantes e insistimos em fazer várias tarefas ao mesmo tempo. Como se não bastasse, nossos olhos não veem tudo o que está em nossa frente e nossa memória inventa e distorce fatos, afirmam cientistas. Difícil aceitar, em uma sociedade em que as falhas e erros não são bem tolerados e a sensação de estar certo em uma discussão é um deleite. Mas as explicações científicas vão na contramão dessa cultura do acerto. Sim, errar, além de humano, é inevitável. “Temos falhas de design e, ainda por cima, achamos que estamos acima da média”, diz o jornalista norte-americano Joseph Hallinan, vencedor do prêmio Pullitzer e autor do livro Por que cometemos erros?, lançado em 2010. Essas falhas, tão impregnadas em como entendemos o mundo, são parte do nosso aprendizado. Há quatro anos debruçado sobre o assunto, Hallinan é um dos novos adeptos do que começa a ser chamado de “errologia”, ou o estudo dos nossos tropeços. O termo foi cunhado por Kathryn Schulz, autora do livro Being Wrong (a ser lançado no Brasil em maio), no qual faz uma digressão sobre o papel do erro na sociedade. A obra, que atingiu o topo da lista dos livros de não-ficção mais vendidos da livraria on-line Amazon, defende que entender os mecanismos das falhas no traz benefícios. “Os erros representam um motor de inovação. Lidar melhor com eles nos faz aprender mais e ser mais tolerantes”, diz Kathryn. 

Em ciência cognitiva, “errando é que se aprende” não é apenas um dito popular. “Os processos que nos levam a aprender e os que nos levam a cometer erros derivam do mesmo recurso mental”, afirma a psicóloga cognitiva Lilian Milnitsky Stein, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pós-doutoranda na Universidade de Barcelona, na Espanha. Um dos motivos para isso acontecer é que na base do nosso conhecimento está a indução, tipo de aprendizado a partir da repetição de padrões já armazenados em nosso cérebro. Se uma criança vê meia dúzia de vezes um interruptor ser apertado e a luz se acender em seguida, ela gravará em sua mente que aquele tipo de botão serve para acionar a lâmpada, mesmo quando avistar um interruptor diferente do que está acostumada a usar. É uma conclusão precipitada, mas que funciona na maior parte das vezes e agiliza o aprendizado (caso contrário, a cada vez que visse um interruptor novo ela o testaria diversas vezes até entender sua função). O palpite baseado em experiências prévias dispensa essa perda de tempo. Da mesma maneira, você não aprendeu a falar português porque alguém lhe explicou as regras gramaticais quando era bebê, mas porque identificou padrões nas articulações de palavras e passou a replicá-los, ainda que com erros nas primeiras tentativas.


PILOTO AUTOMÁTICO 
Conforme esses padrões são apreendidos, não precisamos analisar situações corriqueiras em detalhes. Basta encaixá-las nas generalizações já criadas no cérebro. Um exemplo disso é que deciframos sem muita dificuldade o que está escrito em frases como “NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3 F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35”. Você não lê letra por letra, mas procura os padrões de palavras armazenados em sua cabeça e, rapidamente, entende o que deveria estar escrito, e não o que realmente está. Essa forma de lidar com a informação faz com que, mesmo com poucos dados, consigamos deduzir muitas coisas. “Logo que vemos um objeto, tentamos encaixar seus dados preliminares nos protótipos já formados”, explica João de Fernandes Teixeira, Ph.D em ciência cognitiva na Tuffts University, nos Estados Unidos. 


O processo quase sempre funciona. Quase. A associação automática pode gerar erros como o da auxiliar de enfermagem da Santa Casa de Misericórdia. Os frascos de soro e de vaselina eram praticamente idênticos, o rótulo da mesma cor e o líquido tem a mesma aparência. “Parece ter sido um caso típico de erro de projeção de padrão. Ela pode realmente ter olhado o frasco errado e percebido o correto em seu cérebro”, diz Fernandes Teixeira, também professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A Santa Casa entendeu isso e, uma semana após a morte da paciente, mandou trocar etiquetas e rótulos de frascos de seus remédios nos 39 hospitais da rede. A assistente de enfermagem, no entanto, foi indiciada por homicídio culposo. 


OLHOU MAS NÃO VIU 
Esse tipo de falha está longe de ser exceção. Pesquisadores da Clínica Mayo, no Arizona, Estados Unidos, deixaram a comunidade médica em estado de alerta ao estudar, em 1982, exames de raios X antigos de pacientes que desenvolveram câncer de pulmão. O estudo mostrou que, em 90% dos casos, os tumores já eram visíveis antes do diagnóstico, e a falta de identificação fez com que progredissem. O que ocorre é que, como na maioria dos casos a radiografia não mostra evidências da doença, o padrão de raio X “saudável” pode ser acionado automaticamente quando o médico analisa um exame em que há algo errado. “As expectativas têm um efeito forte sobre a percepção visual. Frequentemente nossa cognição perde alvos que não são coisas comuns”, diz Jeremy Wolfe, Ph.D em oftalmologia e radiologia pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. 


O estudo sistemático desse tipo de erro faz com que médicos criem uma série de procedimentos para evitá-los. Mas será que cada um de nós consegue aprender com os erros mais triviais? Em boa parte das vezes, não. É só pensar no que os pesquisadores chamam de “problema da cerveja na geladeira”. Você pode procurar a latinha na prateleira em que sempre a deixa. Se ela foi mudada de lugar, você pode ficar um tempão procurando algo que está bem debaixo do seu nariz, ainda que fora do local de hábito. “Você não procura o objeto em si, mas os padrões que estão armazenados no seu cérebro”, diz Wolfe. Essa tendência a encaixar o mundo em padrões já conhecidos é responsável pela chamada cegueira de mudança. Algumas informações visuais são sumariamente ignoradas simplesmente porque não temos como lidar com tudo o que vemos ao mesmo tempo. “Nosso cérebro recebe milhares de instintos a todo momento, precisamos ignorar muitos para desenvolver nossa cognição. Se você ficar atento aos estímulos que vêm do pé, da mão, de todos os lugares, não consegue ter foco”, afirma Barbara Tversky, Ph.D em psicologia e professora da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. 


DIGA-ME COM QUEM ANDAS 
Os padrões guardados em nossa mente podem também mudar o conteúdo do que vemos. Um dos maiores aprendizados da “errologia” é que nossa percepção não depende só dos sentidos. Há algumas décadas, cientistas cognitivos vem demonstrando que criamos “estereótipos” mentais que mudam nossa percepção. Se alguém lhe apresenta uma pessoa dizendo que é um caminhoneiro, por exemplo, você tende a achar que essa pessoa é mais pesada do que se lhe dissessem que é um dançarino, constatou-se. Em estudos que começaram em 2005, o Ph.D em psiquiatria e neurociência Gregory Berns, da Universidade de Emory, nos Estados Unidos, colocou na mesma sala quatro atores fingindo ser voluntários e um único voluntário real. Deu a todos a tarefa de comparar formas geométricas simples e dizer se eram iguais. Os atores davam a resposta incorreta antes de o voluntário falar, tentando induzi-lo ao erro. Funcionou. Quando os voluntários estavam sozinhos, acertavam 90% das respostas. Quando acompanhados pelo atores, acertavam apenas 50%. 


Um scanner ligado à mente dos pesquisados durante o teste mostrou que, conforme os atores iam emitindo opiniões erradas, áreas relacionadas à percepção visual no cérebro do voluntário alteravam padrões seu funcionamento. “É como se a imagem real e a da imaginação (criada quando você ouve as opi-niões) se misturassem”, sugere Berns. O nazista Joseph Goebbels não estava errado. Uma mentira contada diversas vezes sobre algo pode, portanto, mudar nossa opinião sobre isso. E até criar no cérebro um padrão que muda a maneira como enxergamos a realidade. “Não é apenas uma analogia, as opiniões de outros literalmente alteram a nossa percepção e o processamento de informações na mente”, diz Berns. Para cientistas sociais, esse fenômeno da contaminação de opiniões também pode ser atribuído à vontade de ser aceito. “Há uma dificuldade em ser diferente. Em pesquisas de mercado, por exemplo, os entrevistados tendem a repetir a resposta dada por outras pessoas anteriormente”, afirma Francirosy Ferreira, doutora em antropologia pela Universidade de São Paulo.

REESCREVENDO O PASSADO 
O alemão Ulric Neisser guardou bem na memória o dia 7 de dezembro de 1941. Ele tinha 13 anos e morava nos Estados Unidos quando o porto de Pearl Habor foi atacado pelos japoneses na Segunda Guerra. Durante décadas, podia recordar claramente o momento em que o jogo de beisebol que escutava no rádio foi interrompido para anunciar o bombardeio. Quarenta anos depois, já com diploma de doutorado em ciência cognitiva por Harvard, Neisser percebeu que havia algo estranho com essa lembrança: as temporadas de beisebol nunca foram jogadas em dezembro. Era impossível que aquela recordação, tão viva, fosse verdadeira. A descoberta fez o pesquisador se transformar em um dos pioneiros a estudar memórias falsas. 


Quanto mais fraca a recordação, maior a chance de usarmos informações que nada têm a ver com ela para interpretar o que aconteceu. “Em vez de simplesmente lembrar o que ocorreu, preenchemos as lacunas das recordações usando padrões cerebrais já armazenados”, diz a psicóloga Barbara Tversky. O mecanismo funciona para dar sentido ao que está sendo rememorado em determinado contexto. Nossa memória é parcial — e pode ser modificada de acordo com o momento em que a retomamos. A produtora de TV Bruna Pellegrini, de 28 anos, percebeu esse tipo de engano recentemente. Filha de um médico de pronto-socorro, ela teve sarna quando criança. A doença, todos os amigos de Bruna sabiam, foi transmitida pelo pai, que havia sido contagiado no hospital. Há cerca de dois meses, ela contou essa história para o namorado na frente da família e foi interrompida por uma gargalhada. “Meu pai perguntou de onde eu tinha tirado isso. Disse que peguei a sarna na escola, de um coleguinha, e que ele nunca havia contraído a doença. Fiquei pasma. Tinha certeza absoluta, contei essa história durante 20 anos.” 

Essas memórias falsas são estudadas por dezenas de especialistas para evitar um erro particularmente cruel. De acordo com a ONG Innocence Project, há pelo menos 175 pessoas condenadas por engano nos Estados Unidos por conta de memórias falsas. São casos como o de Ronald Cotton, que cumpriu 11 anos de prisão por um estupro que não cometeu. Ele só foi solto depois que um exame de DNA provou que a vítima, que havia identificado Cotton duas vezes como o agressor, estava errada. “Uma impressão falsa pode ser incorporada pela pessoa num momento de tensão. Consciente disso, a polícia hoje trabalha para evitar que isso aconteça”, diz Barbara Tversky, que já deu dois pareceres em julgamentos invalidando testemunhos que poderiam estar viciados por memórias inventadas ou distorcidas. 

Um experimento com estudantes universitários de Ohio, nos Estados Unidos, mostrou que, quando tinham de recordar as notas do colégio, imaginavam sempre um desempenho melhor do que de fato haviam alcançado. A nota A teve 89% de lembrança contra apenas 23% da nota D. “Isso explica por que apostadores continuam na jogatina, mesmo após grandes perdas. Na memória deles, suas perdas geralmente são bem menores do que a realidade mostra”, diz Joseph Hallinan. 
esqueci a senha 

Você pode até não identificar lembranças que foram distorcidas com o tempo, mas certamente a memória já lhe faltou em algum momento que precisava. De acordo com jornal New York Times, a cada semana pelo menos mil leitores esquecem seus códigos para acessar o conteúdo on-line. A culpa, em boa parte dos casos, é do contexto (ou da falta dele). Quando a senha não remete a nada conhecido, a memorização é mais difícil. Vale o mesmo princípio da cerveja na geladeira: se o que tentamos lembrar não se encaixa bem nos protótipos formados pelas repetições cotidianas, a chance de esquecer aumenta. 

Que o diga o cirurgião-dentista Thomas Paschoarelli, de 24 anos, de São Paulo. Famoso entre os amigos por sua capacidade de esquecer, ele um dia apagou da memória que havia ido de carro encontrar os colegas. E voltou a pé para casa. “No dia seguinte, meu pai me pediu o carro e não o encontrou na garagem. Tinha ficado na frente do bar em que eu estive na noite anterior. Como nunca ia de carro para lá, na minha cabeça fazia sentido voltar a pé”, diz Paschoarelli. Isso também explica por que, embora sejamos particularmente bons em reconhecer rostos, esquecemos de nomes. “Não só nomes, mas o formato da mão ou outras partes do corpo. Não há um sentido prévio para que a gente guarde esse tipo de lembrança”, afirma Martin Cammarota, pesquisador do Centro de Memória da PUC do Rio Grande do Sul. Da mesma forma como seleciona os estímulos aos quais dará atenção, o cérebro seleciona as lembranças que serão guardadas e prioriza o que é essencial.

ERROS EMOCIONAIS 
Outra fonte de enganos e falhas em nosso comportamento está ligada à anatomia cerebral, por assim dizer. A mesma região do cérebro que responde pela percepção e pela atenção, o córtex pré-frontal, também está envolvida no processamento de emoções. Por conta disso, a compreensão do mundo e a propensão a errar e aprender estão intimamente ligadas ao que sentimos. A estudante de medicina Cibele Matsuura, de 26 anos, descobriu isso da pior forma. Sempre entre as melhores alunas da classe no ensino médio, ela chegou a prestar vestibular como treineira no 2º colegial e teria passado com os pontos que conseguiu. Entretanto, no ano seguinte, seus pais perderam o emprego, ela terminou o namoro e sua mãe se mudou para trabalhar no Japão. O resultado é que não passou na prova para entrar da faculdade — nem nos quatro anos seguintes. “Até o 2º colegial, a minha menor nota era 9. Mas tive um choque emocional e aquilo me desestabilizava na hora da prova, dava branco. Eu queria lembrar de alguma coisa, mas não conseguia”, conta a estudante, que fez tratamento com psicólogo antes de passar na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP). 


Nos casos de muita ansiedade, esse “branco” é comum. “Ocorre uma liberação significativa de neurotransmissores, como adrenalina e cortisol, que podem afetar profundamente nossa capacidade de atenção e de cognição seletiva”, afirma Leonardo Ferreira Almada, Ph.D em neurociência afetiva e professor da Universidade Federal de Goiás. Segundo o especialista, essa confusão cerebral ocorre porque nosso organismo passou por um processo evolutivo para identificar situações de perigo, de luta ou de fuga. Em um contexto de batalha em que aparece a ansiedade, faria sentido inundar o cérebro com esse tipo de substâncias para ficar alerta. Agora, se isso acontece numa situação em que é preciso usar o raciocínio ou relembrar, o cérebro falha. 

Em alguns casos, esse tipo de apagão, que nos torna irracionais por instantes, está ligado a fatores genéticos. É o que os especialistas sintetizam como cegamento do indivíduo. A pessoa perde a capacidade de controle racional da situação e, quase inevitavelmente, erra. É o que sente a jornalista Camila Brunelli, de 27 anos, quando passa por um de seus acessos de explosão, que já resultaram em agressão ao namorado e escândalo público. “Meus sentidos desaparecem, passo por cima do que tiver na frente e sempre acabo fazendo algo que não queria”, diz a paulistana, que passou a tomar antidepressivos para se controlar. Esse problema “é tão biológico como ter propensão à hipertensão”, diz Almada. 


PREVENIR ERROS 
Todos esses avanços no conhecimento de nossas falhas levantam uma questão: é possível fazer com que cessem? O consenso entre os cientistas é que não há como pôr um fim a isso, uma vez que o erro está intrinsicamente ligado à nossa capacidade de aprender rápido, por palpites que provavelmente (mas nem sempre) estão certos. Entretanto, estudos de ponta mostram que podemos prever quando tipos simples de falhas ocorrem. Junto com outros neurocientistas, o alemão Markus Ullsperger conduziu pesquisas (a última delas neste ano) que analisaran ondas cerebrais das pessoas e conseguiram prever quando elas iriam falhar em atividades monótonas, como digitar um texto, por exemplo. “Identificamos redes neuronais relacionadas a essas ações. Quase 30 segundos antes de a pessoa cometer um erro, a atividade nessas redes cai, enquanto em outras partes do cérebro, relacionadas ao relaxamento, a atividade aumenta”, diz Ullsperger. Ainda não há uma aplicação prática para essas conclusões. “Seria possível identificar quando um controlador de vôo vai errar e retirá-lo da atividade nesse momento”, diz o diz o pesquisador. “Mas precisaríamos de scanners analisando suas ondas cerebrais, o que não parece muito viável num futuro próximo.” 


Se não dá para eliminar a falha, é possível tomar algumas precauções para que ela não aconteça. Ou entender que nossa mente não é 100% confiável na hora de tomar decisões ou bater o martelo sobre qualquer assunto. Um pouco de humildade ajuda. Uma pesquisa com mais de 2 mil gerentes de diversas empresas revelou que 99% deles têm um nível de confiança em seu conhecimento acima daquilo que realmente sabem. De acordo com o autor, o holandês Paul Schoemaker, Ph.D em estudos da decisão humana e professor da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, esse engano tem muitas razões. Além da tendência a esquecer erros do passado, quanto mais informações reunimos sobre algum assunto, mais certos estamos do nosso conhecimento naquele campo. Além disso, o hábito cada vez mais comum de desempenhar muitas tarefas ao mesmo tempo aumenta nossa chance de erro. O professor de Harvard Daniel Gilbert, Ph.D em psicologia cognitiva, mostrou recentemente que ser interrompido logo após a aquisição de uma informação pode nos levar a formar essas impressões falsas. 

Introduzir no cotidiano ações simples, como listas de tarefas ou usar um bloquinho de anotações também ajuda a depender menos da memória e, consequentemente, a errar menos (veja quadro abaixo). “Com checklists de perguntas obrigatórias de médicos a pacientes, hospitais americanos conseguiram diminuir o erro em até 47%”, comenta Hallinan. Para o psicólogo e autor do best-seller Positivamente Irracional, Dan Ariely, errar menos tem conexão com a capacidade de evitar situações em que as emoções podem nos confundir. “Em um certo estado emocional, temos diferentes prioridades e desejos rápidos que precisamos cumprir, como quando vamos ao supermercado com fome”, diz Ariely. 

Reconhecer que as falhas fazem parte do aprendizado também nos ajuda a lidar com elas. Ou, ao menos, aceitá-las como um mal necessário à evolução pessoal em vez de buscar a perfeição constante. Passamos a vida acreditando estarmos certos a respeito de tudo, de convicções intelectuais a julgamentos sobre outras pessoas, por mais absurdo que isso possa parecer quando refletimos a respeito, diz a autora do termo “errologia”, Katryn Schulz. “Não é o caso de parar de errar, mas de admitir que está errado. Sem sentir culpa por isso.” 






Publicação Revista Galileu

De onde vem o mal?

Preso a uma cadeira e com as pálpebras abertas à força por uma máquina, o assassino Alex é obrigado a assistir a longas horas de vídeos com cenas de violência explícita. Algo que ele, em princípio, gosta. Drogado para associar as imagens na tela a sentimentos de dor extrema, o criminoso passa a sentir aversão à crueldade e, finalmente, é considerado “recuperado”. Quarenta anos depois da clássica cena do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, a busca de uma cura para a maldade deixou de ser ficção científica. Ela hoje está presente no cotidiano de dezenas de centros de pesquisa pelo mundo. Laboratórios na Alemanha, nos Estados Unidos e na Inglaterra abrigam scanners que medem o fluxo de sangue no cérebro e aparelhos de sequenciamento genético que ajudam a traçar uma nova anatomia do mal dentro do ser humano.

Como resultado, a ciência encontrou áreas cerebrais envolvidas no controle da maldade, genes relacionados à crueldade e situações em que até mesmo os mais bondosos podem se transformar em torturadores. Numa análise do que aconteceu durante as torturas da prisão de Abu Ghraib, por exemplo, cientistas citam fatores como o estresse dos soldados, o tipo de comando e até o calor excessivo como alguns dos ingredientes de uma situação perfeita para que pessoas tidas como “de bem” libertassem seu lado torturador. Estudos também mostram que por trás daquela dificuldade de se conter em partir para a briga em discussões pode estar uma falha em algumas regiões cerebrais.
As descobertas, no entanto, já inspiram técnicas para “corrigir a mente” tão controversas quanto as do filme. Entre elas, a oxitocina, uma droga que age no cérebro para melhorar o comportamento moral, e terapias preventivas com crianças que apresentam risco de se tornarem psicopatas. As pesquisas mostram que fazer o mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. “Pessoas fizeram atos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no cérebro”, sugere o Ph.D. em psicologia e professor da Universidade de Cambridge, Simon Baron-Cohen, que acaba de lançar o livro Science of Evil (A Ciência do Mal, ainda sem edição no Brasil), obra na qual revisa mais de 300 estudos da área.
A EMPATIA 
Para saber o que são essas deficiências cerebrais, é preciso antes entender um mecanismo apontado como válvula de segurança contra a maldade. A empatia é a capacidade natural que temos de identificar o que outra pessoa está pensando ou sentindo e responder com uma emoção apropriada. Quando alguém chora ao ver um filme triste ou esboça um sorriso ao ouvir uma gargalhada, ativa a empatia. É também essa habilidade que atua quando você freia um instinto de agredir alguém indefeso ou impede um terceiro de agir assim, prevendo o sofrimento da vítima. “Maldade é falta de empatia. Você causa mal a alguém porque não está preocupado se a pessoa vai se machucar fisicamente ou emocionalmente”, diz o psiquiatra Fábio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro.

Na última década, estudos mostraram que a empatia não é apenas um conceito filosófico, mas pode ser localizada dentro da massa cerebral. Há consenso na neurociência de que pelo menos 10 regiões cerebrais, chamadas por Baron-Cohen de “circuito da empatia”, estão relacionadas com essa capacidade. Quando há lesão em áreas como o córtex pré-frontal medial, perdemos reações involuntárias que temos ao assistir a cenas fortes como mutilações (aumento de batimento cardíaco e suor nas mãos), o que sugere que a dor do outro deixa de ser processada da mesma forma dentro da gente. Já outras áreas, como a parte anterior da ínsula, são ativadas tanto quando sentimos dor quanto no momento em que vemos alguém sofrer um estímulo doloroso. Há pelo menos 60 pesquisas mostrando essas conexões e sugerindo um mecanismo do cérebro que se ativa para que, de alguma forma, também possamos sentir dentro de nós as emoções que presenciamos.
CURTO-CIRCUITO 
Esse mecanismo de identificação nos leva a considerar o sentimento dos outros ao tomar qualquer atitude. Você vê uma velhinha cheia de pacotes com dificuldades para subir as escadas e sente vontade de ajudá-la. Ou vê o seu irmãozinho chorando e para de brigar. Só que nem sempre o mecanismo está a todo vapor. Fatores como estresse, álcool e cansaço diminuem temporariamente a empatia. O sistema também é desligado quando estamos muito focados em nós mesmos. Seu cérebro pode não perceber o sufoco da velhinha se você está às voltas pensando no namorado ou namorada que está lhe traindo, por exemplo.

Ao diminuir a identidade com o próximo, uma pane da empatia também faz com que a pessoa não sinta um bloqueio ao pensar em fazer algo malvado. “Quando alguém comete uma crueldade, esse circuito tem um mau funcionamento, está desligado”, defende Baron-Cohen. Mas para que a vontade de praticar uma maldade não seja freada pela perspectiva de sofrimento da outra pessoa, é preciso que a empatia esteja bem baixa, o que normalmente não está ligado apenas a fatores de momento. É por isso que o cientista inglês e outros especialistas criaram uma medida do funcionamento desse sistema no cérebro, o quociente de empatia, ou simplesmente QE. A avaliação é feita por questionários (veja um no final desta matéria), mas pode ser confirmada medindo ondas cerebrais. Quanto maior o QE, mais altas as chances de frear impulsos de crueldade por “sentir” a dor do outro.
Nos psicopatas, por exemplo, a empatia é zero. Eles não são contagiados pelas emoções alheias e não sofrem remorso. “Há uma área do cérebro abaixo da órbita do olho que integra o caráter. Nos psicopatas, indivíduos que têm defeito na empatia, essa área não se formou direito”, diz a especialista em psicopatia Hilda Morana, doutora em psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Mas eles não são os únicos. Há outros diagnósticos associados ao nível zero, entre eles o transtorno borderline, de pessoas desreguladas emocionalmente, com tendência a comportamentos agressivos — essas também têm padrões diferentes no circuito da empatia.

Um pouco acima do nível zero estão pessoas que podem ser capazes de machucar as outras, mas sentirão remorso depois. É o caso daqueles que explodem facilmente durante discussões, chegando à agressão. Nesse caso, o circuito cerebral não funciona suficientemente para inibir os impulsos violentos e a pessoa não percebe estar passando do limite. Num nível ligeiramente acima, a pessoa freia a violência, mas não aquelas situações constrangedoras em que alguém faz comentários como “você engordou”, e não percebe que pode deixar o outro chateado.

O nível de empatia, no entanto, não é determinado no momento do nascimento. “Há uma interação de fatores sociais com causas genéticas que ainda estão sendo investigadas”, diz o indiano Bhismadev Chakrabarti, Ph.D. pela Universidade de Cambridge, ele mesmo descobridor de 4 genes relacionados à empatia. Junto com outros pesquisadores, o neurocientista mediu em 2009 o QE de 349 pessoas e fez um mapeamento genético de cada uma delas. Além dos genes, ele achou uma área cerebral, o giro frontal inferior, sempre mais ativa em pessoas com alto QE. “Já há cerca de 20 genes associados à questão. Ter as variações genéticas não significa automaticamente que a pessoa será empática.”
CULPE OS PAIS 
Apesar de cada vez mais descobertas genéticas, a maior parte das explicações para empatia baixa não está no DNA. De 60% a 80% das pessoas borderline, por exemplo, têm histórico de maus-tratos, separação precoce dos pais ou rejeição na infância. De 40% a 70% do mesmo grupo sofreram abuso sexual quando crianças. Ou seja, a educação importa, e muito. Há inúmeras pesquisas que mostram que uma criança, em uma casa estruturada e com educação de qualidade, tende a ser menos agressiva. Mas como relacionar isso ao “tilt” no cérebro? O psiquiatra americano Paul Soloff mostra que pessoas abusadas sexualmente na infância, por exemplo, têm amígdalas cerebrais menores, menos matéria cinzenta no córtex temporal medial e uma região chamada hipocampo menor. Todas áreas ligadas ao circuito de empatia. Isso confirma uma relação já sabida na prática de terapeutas. “[Há mais chance de crueldade em] famílias onde há abusos físicos ou psicológicos, onde a criança não consegue falar das suas dificuldades”, diz o psiquiatra Leandro Thadeu Reveles, da clínica Medicina do Comportamento, em São Paulo.
REMÉDIO? 
Mas se são falhas do cérebro que permitem que a maldade apareça, dá para encontrá-las antes que alguém faça uma besteira? Embora não sejam 100% precisos, os testes de Simon Baron-Cohen já identificam pessoas com empatia abaixo do normal. Usá-los no estilo do filme Minority Report, em que os futuros criminosos eram identificados e presos antes de cometerem crimes, ou em entrevistas de emprego, porém, esbarra em questões éticas. A maior é que empatia baixa não significa necessariamente que alguém vá cometer uma crueldade. “Mas deve ser desejável que enfermeiras e babás possuam alto nível de empatia. Pode se tornar parte de um processo de recrutamento.”

Outra opção que se abre, não menos polêmica, é “consertar” os circuitos cerebrais que não funcionam. Estudos mostram que inalar um hormônio chamado oxitocina pode fazer com que as pessoas aumentem o nível de empatia por algumas horas, agindo de forma mais altruísta. “Acho que no futuro iremos além. Mudaremos a pessoa, sua motivação, sua capacidade de responder de modo moral, aumentando a empatia e diminuindo a agressão”, prevê o médico Guy Kahane, especialista do centro de Neuroética da Universidade de Oxford. Kahane, no entanto, faz questão de ressaltar que as chances de melhorias, por enquanto, são pequenas.

O antidepressivo Citalopram é outra droga que tem ganhado notoriedade por aumentar a empatia. A substância faz com que as pessoas fiquem mais reticentes em agredir e ajam de forma mais altruísta. “Tenho visto mais drogas [com resultados ainda não publicados] capazes de mudar o modo como as pessoas se comportam com outras, mas seria errado dizer que estamos perto de curar o mal”, diz Kahane. Se chegarmos lá, usar o remédio pode ser uma decisão difícil. O médico e filósofo Tom Douglas, co-autor de Enhancing Human Capacities (Aumentando as Capacidades Humanas, sem edição em português), lembra que nosso terrível histórico de lobotomias e implantes cerebrais contra gays nos obriga a pensar bem antes de forçar presos a tomar drogas. “Há também o risco de substâncias serem usadas na contra-mão, para que as pessoas ajam de forma amoral. Um empresário com excesso de escrúpulos poderia tomar uma droga que suprimisse sua consciência”, diz Douglas, que estuda ética médica em Oxford. Kahane sublinha a questão polêmica de se mudar a personalidade de alguém, mas prevê formas aceitáveis de uso das drogas. “Se alterarmos o cérebro de alguém contra sua vontade, muitos pensam que mudaríamos a personalidade. Mas os prisioneiros poderiam reduzir sentenças por concordarem com o tratamento”, diz. A esperança mais forte, por enquanto, é usar as drogas junto com terapias, abreviando o tempo total de tratamento.
MAL SOCIAL 
A abordagem farmacológica é bastante contestada por outro grupo de especialistas que estuda a questão, os psicólogos sociais. Para eles, o mais importante não está dentro do organismo. “A situação é que exerce a maior influência nos casos de crueldade”, diz Philip Zimbardo, Ph.D. em psicologia e professor emérito da Universidade de Stanford. O ex-presidente da Associação Americana de Psicologia desenvolveu essa tese a partir de um dos experimentos mais polêmicos da área. Em 1971, ele simulou as condições de um presídio num porão da Universidade de Stanford e pegou 24 estudantes voluntários (sem nenhum indicativo de empatia baixa) dividindo-os aleatoriamente entre guardas e presos. Aos carcereiros, não foi dada nenhuma instrução. Eles estavam livres para fazer o que fosse necessário para manter a ordem. O estudo, programado para durar 2 semanas, terminou depois de 6 dias, com prisioneiros com depressão e descontrole emocional após serem vítimas do sadismo dos guardas. Os presos foram obrigados a ficar nus, eram acordados com apitos no meio da madrugada, tiveram camas destruídas e foram privados de banheiro, fazendo as necessidades em baldes.

Zimbardo mostrou com isso como cada um de nós (e não apenas os que têm problema de empatia baixa) pode ser levado a cometer atrocidades. Outro experimento clássico da área foi conduzido pelo falecido psicólogo Stanley Milgram em 1963. O pesquisador pediu a voluntários que bancassem o professor e ensinassem a outro estudante (na verdade um ator disfarçado) as respostas certas das questões por meio de pequenos choques, que deveriam aumentar a cada erro. Essa simples sugestão bastou para que 65% das pessoas chegassem a aplicar o nível máximo de eletricidade, mesmo vendo o ator estrebuchar até parecer estar, no fim, desacordado. “O experimento mostra como o ambiente pode levar as pessoas a serem cruéis. Não é uma questão de ser bom ou mau, é a situação”, diz o psicólogo inglês Jerry Burger, que replicou o estudo, obtendo os mesmos resultados, em 2008.
DESUMANOS 
Assim como o inglês, dezenas de outros cientistas revelaram, com experiências do tipo, fatores que tendem a produzir o desligamento da empatia. “Estar em uma situação nova sem saber como agir; a crueldade parecer apenas um pouquinho mais do que o que é praticado em volta; a responsabilidade nunca parecer inteiramente sua; pouco tempo para pensar [nas consequências]”, lista Burger. Outras circunstâncias como sentimento de pertencer a um grupo, ordens pouco específicas e estresse também colaboram para o aparecimento de maldade. Todos esses fatores e outros estavam presentes, por exemplo, durante a tortura cometida por soldados americanos contra iraquianos na prisão de Abu Ghraib em 2004, sugere a pesquisadora americana Susan Fiske em artigo na revista Science. Para ela, não apenas os torturadores, mas os comandantes que permitiram que a situação propícia para a maldade fosse criada, deveriam ser responsabilizados. O problema em Abu Ghraib, diz, não era déficit de empatia: a maioria das pessoas poderia ser levada a cometer as mesmas crueldades.

Fiske, Ph.D. em psicologia pela Universidade de Princeton, é uma das primeiras a ver em scanners cerebrais marcas das influências situacionais. Desde o fim da Segunda Guerra, filósofos e sociólogos afirmam que os absurdos praticados durante o Holocausto só foram possíveis porque os agressores viam nas suas vítimas apenas animais repugnantes ou objetos. “As pessoas naturalmente inibem a violência contra outros que categorizam como seres humanos. Então, é preciso que a outra pessoa seja ‘desumanizada’ dentro da cabeça para que isso ocorra”, explica Fiske. Seus estudos, desde 2006, traçam o caminho disso no cérebro. Num dos mais impressionantes, fotografias de pessoas foram mostradas a voluntários, enquanto os cérebros dos observadores eram analisados com scanners. Quando os voluntários viram indivíduos de baixo status social, como mendigos, viciados em drogas ou até imigrantes, ativaram padrões cerebrais relacionados à visão de objetos e não aqueles ativados ao vermos seres humanos. Ou seja, nesse caso, a empatia não funcionaria para prevenir uma agressão.

Para a psicóloga, isso explica o que acontece dentro da cabeça de pessoas que agridem mendigos ou que se deixam levar por um preconceito estimulado pelo Estado para praticar torturas e genocídios. Os discursos e a opinião do grupo dominante podem ser influências importantes nesse caso. “Ninguém está retirando a culpa dos praticantes de atrocidades. Estamos mostrando que não é uma simples questão de ser mau. O ambiente modifica a forma como as pessoas percebem as outras”, diz Fiske.
TRATAMENTO 
Do ponto de vista da psicologia social, portanto, o importante é tratar a sociedade. “Quando você cresce no meio da pobreza, não adianta dar uma pílula contra maldade. Tudo ao redor está forçando os jovens a fazer coisas más”, argumenta Zimbardo. Mas o que fazer, então? Além de reduzir a desigualdade, há outros meios de agir. Fiske, por exemplo, conta com uma equipe de especialistas que monitora grupos percebidos como “desumanizados” (e que, portanto, podem sofrer crueldades) por cidadãos em 20 países — o Brasil não participa da pesquisa. Por meio de avaliações, ela identifica estratos sociais que estão se tornando vítimas de preconceito, o que pode ser útil em ações de prevenção. Já Zimbardo acha que o caminho é ensinar as pessoas com empatia alta a se transformarem em líderes para influenciar a situação fazendo outros se voltarem contra a crueldade. Ele está criando uma rede educacional com esse objetivo, chamada Heroic Imagination Project.

Novas técnicas de terapia também tentam atacar o problema. Resultados positivos de diminuição de agressividade e melhoria de empatia foram conseguidos pelo psicanalista húngaro Peter Fonagy, Ph.D. pelo University College de Londres. “Parece haver um mecanismo que desliga a vontade de ser violento quando percebemos a mente de outra pessoa. É mais fácil matar com uma arma à distância do que com uma faca”, pondera o criador do Mentalization, psicoterapia que envolve exercícios de imaginação. “Ajudamos o indivíduo a pensar em estados mentais dos outros mesmo quando está extremamente nervoso.”

Caminho semelhante é traçado pelo Programa para Pessoas com Severos Transtornos de Personalidade (DSPD, na sigla em inglês) do governo britânico. Num projeto piloto, 12 unidades começaram a tratar e vigiar crianças com graves distúrbios de conduta. A intenção é prevenir o surgimento de psicopatas, o que é bastante contestado entre especialistas. “São pesquisados também marcadores [genes ou substâncias] que indicam predisposição para a maldade. Mas seria ético abordar a pessoa antes de se tornar criminoso?”, pergunta Guy Kahane.

O principal braço do programa DSPD tenta provar que alterar a baixa empatia em criminosos é factível. Presos com psicopatia ou transtorno borderline são separados e tratados em 4 centros psiquiátricos de segurança máxima com drogas e psicoterapia intensiva. Após serem soltos, médicos avaliam seu estado mental e seu perigo para a sociedade periodicamente. De acordo com Hilda Morana, essa separação é positiva. “Em qualquer lugar, 20% dos presos são psicopatas e o restante é bandido comum. Se os dois estiverem juntos, é mais difícil de o bandido comum ser recuperado.”

O DSPD, no entanto, é questionado por ser extremamente caro. Relatórios mostram que o programa consumiu o equivalente a quase meio bilhão de reais em 10 anos para apenas 240 sociopatas em tratamento. E isso sem comprovação de eficácia. “Pesquisas foram feitas, mas não há evidências fortes da efetividade. Seria preciso deixar metade sem tratamento e ver quem comete mais crimes após ser solto, o que traz um problema ético”, diz Roger Bowles, consultor ligado ao Ministério da Justiça britânico.

Mesmo com todas as críticas, especialistas da área apontam a ideia do sistema como um exemplo do que deve ser buscado na luta contra a crueldade: tratar em vez de apenas punir. As novas pesquisas já começam a ser usadas para questionar decisões judiciais. Zimbardo, por exemplo, testemunhou a favor dos torturadores de Abu Ghraib, embasando o argumento pela redução de pena, já que o ambiente ao qual os soldados foram submetidos teve influência decisiva para as atrocidades. Mas a ideia de que não se deve responsabilizar uma pessoa pelas suas ações más apenas começa a ser discutida. Polêmicas como “devemos intervir em pessoas predispostas à crueldade?” ou “é ético obrigar prisioneiros a tomar remédios que possam mudar a personalidade?” estão no início.

Por enquanto, nenhuma das terapias surgidas da compreensão dos mecanismos da maldade chega a ser uma resposta definitiva. No entanto, de acordo com Baron-Cohen, é preciso uma mudança de mentalidade para que formas mais eficazes sejam descobertas. “Nós podemos nos fiar à antiga ideia de que os criminosos precisam simplesmente ser punidos, ou tentar entender como isso aconteceu e tratar essas deficiências com um approach mais científico”, afirma o cientista, que teria motivos para preferir a primeira opção. Judeu, Baron-Cohen cresceu ouvindo histórias sobre as atrocidades que seus parentes e os amigos de seus pais sofreram, mas não se refere a nazistas como sádicos que optaram pela crueldade. Ele os considera doentes. “É hora de encarar a questão de uma forma mais lúcida.”
Publicação Revista Galileu

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Chega de Prozac - coma iogurte

Não é à toa que o intestino vem sendo chamado por médicos e cientistas de nosso segundo cérebro. Em suas paredes, há uma rede de 100 milhões de neurônios e os mesmos neurotransmissores que são encontrados na cabeça, como a serotonina, reguladora do humor. Essa imensa rede nervosa se comunica diretamente com nossa mente. Assim, cuidar bem de nosso intestino poderia ser bom para a cabeça, inclusive para o tratamento de doenças psíquicas. “Uma grande parte de nossas emoções é provavelmente influenciada pelos neurônios em nosso intestino”, afirma Emeran Mayer, professor da escola de Medicina da Universidade da Califórnia.
A grande aposta na área atualmente são os chamados probióticos, micro-organismos que inibem a proliferação de bactérias intestinais nocivas. Eles estão presentes em alguns leites fermentados e iogurtes — em geral, com indicação no rótulo — e também são vendidos como suplementos alimentares em farmácias e lojas. Sua ingestão estimularia no cérebro a produção de neurotransmissores responsáveis pela sensação de bem-estar. Pesquisas vêm mostrando, ainda em cobaias, que esses bichinhos em nosso aparelho digestivo poderiam ajudar a dar fim a problemas que vão de ansiedade à depressão. Conheça ao lado alguns dos principais estudos de acordo com o sintoma. 

ACABA COM OS SINTOMAS
Confira pesquisas científicas que mostram que comer probióticos pode melhorar a mente — além da pele

IRRITABILIDADE > Pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade da Virgínia, EUA, demonstraram que as bactérias causadoras de infecções gastrointestinais fazem com que o nervo vago (que conecta o intestino ao cérebro) transmita sinais que ativam as regiões cerebrais que processam sensações como medo e ansiedade. Ao inibir a proliferação dessas bactérias, os probióticos ajudariam a regular o humor.

DEPRESSÃO > Ratos tratados com o probiótico Bifidobacterium infantis tiveram os níveis de triptofano, um precursor da serotonina, elevados em duas áreas cerebrais associadas com o humor e as emoções. Os resultados são de um estudo da Universidade College Cork, na Irlanda. A conclusão é de que esse tipo de probiótico pode ter propriedades antidepressivas.

ANSIEDADE > Em um estudo feito por pesquisadores da Universidade de McMaster, no Canadá, cobaias infectadas de propósito com o parasita Trichuris muris desenvolveram, além de inflamação no intestino, sintomas de ansiedade. Ao serem tratadas com o probiótico B. longum, os sintomas foram revertidos.

PROBLEMAS DERMATOLÓGICOS > Lactobacilos vivos melhoraram inflamações de pele e perda de pelo em ratos estressados. O resultado é de um estudo feito no Hospital Universitário Charité, de Berlim, e levaram os pesquisadores a crer que a ingestão do probiótico Lactobacillus reuteri ajudaria a melhorar problemas dermatológicos decorrentes do estresse.  

Publicação Revista Galileu

'O marketing manipula nossa percepção e nosso desejo'

O Ph.D em psicologia Baruch Fischhoff é um dos pioneiros nas pesquisas relacionadas à economia comportamental. Professor da Universidade Carnegie Mellow, ele descobriu diversas tendências que temos de agir irracionalmente ao tomar decisões. Suas pesquisas indicam para uma série de situações onde mudar fatores irrelevantes (como colocar perfumes em lojas ou mudar a ordem das palavras em frases que dizem a mesma coisa) podem alterar, significativamente, a decisão de uma pessoa. Ele explica na entrevista abaixo que apenas dar mais informação ou parar para pensar pode não reverter essas “decisões burras”, e que há pessoas defendendo esse usar esse tipo de manipulação “para o bem”. 




A economia comportamental parte do princípio que somos irracionais em alguns momentos. Como é isso?
Por 20 anos esse tipo de abordagem foi completamente rejeitada pelos economistas mainstream. Para eles, as pessoas eram racionais em todas as situações e entendem as situações bem o bastante para identificar os melhores caminhos. 


A pesquisa psicológica, no entanto, diz que as pessoas têm muitas habilidades, mas que há muito no mundo para que consigam entender tudo. E que muitas situações que enfrentamos são tão novas que realmente não sabemos o que queremos. Assim, algumas vezes nós fazemos escolhas ruins. Marqueteiros levam vantagem desses erros, conseguindo manipular as nossa percepções e os nossos desejos. 

Quando as pessoas não sabem exatamente o que querem ao tomar uma decisão, elas pegam dicas das circunstâncias e podem ser manipuladas. Um exemplo, em vários países, é sobre a questão de doar órgãos. Em lugares que você tem de formalizar uma opção para se tornar um doador, o número de doadores cai, e a situação contrária acontece quando você tem de formalizar a opção de não ser. Isso é explicado por uma tendência irracional a se adequar ao padrão ao fazer uma decisão. Se a pessoa entende que o padrão é ser doador, ele tem mais chances de decidir que também será. 

Como lidar com as manipulações? 
A melhor solução quando se vai tomar uma decisão é tentar ver várias perspectivas do problema. Por isso, é importante para o governo ter certeza de que a informação é apresentada de uma maneira justa. Nos últimos 4 anos, coordeno um comitê da FDA (agência americana que controla medicamentos e alimentos) para que as pessoas sejam informadas de uma maneira justa sobre remédios. Tudo que tem um benefício também oferece um risco. Diferentes formas de passar a mesma informação podem induzir as pessoas em direção a uma ou a outra das opções. 

Mas os economistas comportamentais não querem apenas informar mais. 
Enquanto nós psicólogos, neste campo, tentamos assegurar que a comunicação funcione bem, dar a melhor informação, os economistas comportamentais tentam fazer sentenças para empurrar as pessoas da decisão correta. Eles aproveitam os mecanismos de decisão irracional para manipular as pessoas em direção a algo que achem correto, como decidir mais por comprar frutas em vez de alimentos não-saudáveis. 

O senhor concorda com esse empurrãozinho? 
A questão que eu faria é: nós não estamos desistindo das pessoas muito rápido? Se nós tentássemos mais, não poderíamos fazer com que as pessoas tomassem as decisões certas, de maneira independente? Temos uma obrigação ética de trazer toda a educação que é possível, mas também precisamos ser realistas sobre os limites dessa educação. Se não há informação suficiente, temos de aumentar a educação. Mas, quando as decisões forem difíceis para as pessoas, elas precisam ser assistidas. 

Não seria mais o caso das pessoas pararem mais para pensar sobre suas opções? 
Pensar mais é bom, mas o que importa mais é ter diferentes perspectivas. Há muitos anos, fiz um estudo com outros psicólogos onde perguntamos às pessoas o quanto elas sabiam sobre coisas diferentes. Constatamos que, em geral, as pessoas são superconfiantes. Na média, achavam que acertariam mais questões do que realmente acertavam. 

Demos então a um outro grupo a tarefa de pensar em uma série de razões pelas quais sua resposta inicial poderia estar certa e a um outro grupo pedimos que pensassem em como poderiam estar errados. O grupo que pensou sobre as razões para ter errado se tornou menos superconfiante e mais preciso sobre as previsões que faziam. O simples fato de você mudar a perspectiva e pensar nas razões pelas quais poderia estar errado sobre um fato faz com que suas estimativas se tornem mais realistas e que você seja menos sujeito a tendências irracionais. 

Vivemos numa época de muita informação. Isso também nos leva a tomar decisões irracionais? 
Há uma limite em relação à quantidade de coisas que você pode pensar, então isso pode sim fazer você cometer erros. Há 2 formas de lidar com isso. A primeira é restringir as opções. Pegue apenas um número pequeno de opções e você decidirá melhor sobre isso. A segunda é tentar pegar uma amostra de todas as opções possíveis. 

Então, se você restringe a decisão de uma viagem a apenas custos, tempo e comida, é mais fácil que você acabe não errando. Mas isso te deixa vulnerável a perder coisas inteiramente. A outra estratégia é estar aberto a todas as possibilidades, mas assumir que você vai parar quando encontrar algo bom o suficiente. Se você parar para analisar cada detalhe de tudo, não vai conseguir, vai ficar louco e não vai fazer uma boa decisão. 

Um dos meus colegas, Herbert Simon, Nobel de Economia, um dos fundadores da área, fez essa distinção: ou você faz um trabalho perfeito numa pequena porção de coisas, ou um trabalho satisfatório olhando para tudo. 

As emoções também podem alterar nossas decisões? 
Tem muita pesquisa recente mostrando isso. Em situações onde as pessoas não tem certeza, você pode mudar a decisão delas manipulando as suas emoções. Por exemplo, em situações de raiva, as pessoas tendem a ser mais otimistas. Se você está com raiva e te pedem que faça uma previsão sobre se algo vai funcionar, você tem mais chance que alguém que não esteja com raiva de achar que as coisas vão dar certo.


Entrevista extraída da Revista Galileu