quarta-feira, 28 de março de 2012

"Só se morre uma vez. Mas é pra sempre." MILLÔR



"Millôr Fernandes nasceu. Todo o seu aprendizado, desde a mais remota infância. Só aos 13 anos de idade, partindo de onde estava. E também mais tarde, já homem formado. No jornalismo e nas artes gráficas, especialmente. Sempre, porém, recusou-se, ou como se diz por aí. Contudo, no campo teatral, tanto então quanto agora. Sem a menor sombra de dúvida. Em todos seus livros publicados vê-se a mesma tendência. Nunca, porém diante de reprimidos. De 78 a 89, janeiro a fevereiro. De frente ou de perfil, como percebeu assim que terminou seu curso secundário. Quando o conheceu em Lisboa, o ditador Salazar, o que não significa absolutamente nada. Um dia, depois de um longo programa de televisão, foi exatamente o contrário. Amigos e mesmo pessoas remotamente interessadas - sem temor nenhum. Onde e como, mas talvez, talvez — Millôr, porém, nunca. Isso para não falar em termos públicos. Mas, ao ser premiado, disse logo bem alto - e realmente não falou em vão. Entre todos os tradutores brasileiros. Como ninguém ignora. De resto, sempre, até o Dia a Dia”.
Considerado "um dos poucos escritores universais que possuímos", na opinião do crítico Fausto Cunha, filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no dia 16 de agosto de 1923 no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, com o nome de Milton Viola Fernandes. Só seria registrado no ano seguinte, tendo como data oficial de nascimento o dia 27 de maio de 1924. Sua certidão de nascimento, grafada à mão, fazia crer que seu nome era Millôr e não Milton. Seu pai, engenheiro emigrante da Espanha, morre em 1925, com apenas 36 anos. A família começa a passar por dificuldades e sua mãe passa horas em frente a uma máquina de costura para poder sustentar os 4 filhos. Apesar do aperto, o autor teve uma infância feliz, ao lado de 10 tios, 42 primos e primas e da avó italiana D. Concetta de Napole Viola.
Estuda na Escola Ennes de Souza, de 1931 a 1935, por ele chamada de Universidade do Meyer, mas que na verdade era uma escola pública. Diz dever tudo o que sabe a sua professora, Isabel Mendes, depois diretora e hoje nome da escola. Se emociona ao falar sobre ela "...uma mulatinha magra e devotada, que me ensinou tudo que se deve aprender de um professor ou de uma escola: a gostar de estudar. Depois disso, pode-se ser autodidata. Escola, a não ser para campos técnicos/experimentais, é praticamente inútil".
A chegada ao Brasil das histórias em quadrinhos, em 1934, faz de Millôr um leitor assíduo dessas publicações, em especial de Flash Gordon, de autoria de Alex Raymond, e, com isso, dar vazão à sua criatividade. Sob a influência de seu tio Antônio Viola, tem seu primeiro trabalho publicado em um órgão da imprensa — "O Jornal", do Rio de Janeiro, tendo recebido o pagamento de 10 mil reis por ele. Era o início do profissionalismo, adotado e defendido para sempre.
Em 1935, também com 36 anos, falece sua mãe, o que faz com que os irmãos Fernandes passem a levar uma vida dificílima. Essa coincidência de datas leva Millôr a escrever um conto, "Agonia", publicado na revista "Cigarra" em janeiro de 1947, onde afirmava: "Tenho dia e hora marcada para me ir e o acontecimento se dará por volta de 1959". A morte da mãe o leva a morar em Terra Nova, subúrbio próximo ao Méier, com o tio materno Francisco, sua mulher Maria e quatro filhos.
Trabalha, em 1938, com o Dr. Luiz Gonzaga da Cruz Magalhães Pinto, entregando o remédio para os rins "Urokava" em farmácias e drogarias. Durou pouco esse emprego. Logo vai ser contínuo, repaginador, factótum, na pequena revista "O Cruzeiro", que nessa época tinha, além de Millôr, mais dois funcionários: um diretor e um paginador. A revista, anos depois, chegou a vender mais de 750.000 exemplares. Com o pseudônimo "Notlim" ganha um concurso de crônicas promovido pela revista "A Cigarra". Com isso, é promovido e passa a trabalhar no arquivo.
O cancelamento de publicidade em quatro páginas de "A Cigarra" fez com que fosse chamado por Frederico Chateaubriand para preencher as páginas que ficaram em branco. Cria, então, o "Poste Escrito", onde assinava-se Vão Gôgo. O sucesso da seção faz com que ela passe a ser fixa. Com o mesmo pseudônimo, começa a escrever uma coluna no "Diário da Noite". Assume a direção de "A Cigarra", cargo que ocuparia por três anos. Dirigiu também "O Guri", revista em quadrinhos e "Detetive", que publicava contos policiais.
Ciente da necessidade de se aprimorar, estuda no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro de 1938 a 1943.
Em 1940, muda-se para o bairro da Lapa, centro da cidade, e passa a morar próximo a Alceu Pena, seu colega em "O Cruzeiro". Colabora na seção "As garotas do Alceu" como colorista e versejador.
Autodidata, faz sua primeira tradução literária: "Dragon seed", romance da americana Pearl S. Buck, com o título "A estirpe do dragão", em 1942.
No ano seguinte retorna, com Frederico Chateaubriand e Péricles, à revista "O Cruzeiro". Em dez anos, a tiragem foi um grande êxito editorial, passando de 11 mil para mais de 750 mil exemplares semanais.
Em 1945, inicia a publicação de seus trabalhos na revista "O Cruzeiro", na seção "O Pif-Paf", sob o pseudônimo de Vão Gôgo e com desenhos de Péricles.
No ano seguinte lança "Eva sem costela — Um livro em defesa do homem", sob o pseudônimo de Adão Júnior.
Sua colaboração para "O Cruzeiro", em 1947, atinge a marca de dez seções por semana.
Em 1948 viaja aos Estados Unidos, onde encontra-se com Walt Disney, Vinicius de Moraes, o cientista César Lates e a estrela Carmen Miranda. Casa-se com Wanda Rubino.
Publica "Tempo e Contratempo", com o pseudônimo de Emmanuel Vão Gôgo, em 1949. Assina seu primeiro roteiro cinematográfico, "Modelo 19". O filme, lançado com o título "O amanhã será melhor", ganha cinco prêmios Governador do Estado de São Paulo. Millôr é agraciado com o de melhores diálogos.
Em 1951, na companhia de Fernando Sabino, viaja de carro pelo Brasil, durante 45 dias. Lança a revista semanal "Voga", que teve apenas cinco números.
Viaja pela Europa por quatro meses, em 1952.
"Uma mulher em três atos", sua primeira peça, estréia no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo (SP), em 1953.
No ano seguinte, compra o imóvel que se tornaria famoso — "a cobertura do Millôr", no bairro de Ipanema, onde o escritor até hoje vive. Nasce seu filho Ivan.
Em 1955, divide com o desenhista norte-americano Saul Steinberg o primeiro lugar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, Argentina. Escreve “Do tamanho de um defunto”, que estreou no Teatro de Bolso (Rio) e, depois, adaptado pelo próprio autor para o cinema, tendo o filme o título de “Ladrão em noite de chuva”. Nesse ano escreve “Bonito como um deus”, que estréia no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo (SP), e ainda “Um elefante no caos” e “Pigmaleoa”.
Em 1956, Millôr passa a ilustrar todos os seus textos publicados na revista "O Cruzeiro".
No ano de 1957, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro recebe exposição individual do biografado. Realiza a cenografia de “As guerras do alecrim e da manjerona”. Esse trabalho foi premiado pelo Serviço Nacional de Teatro no ano de 1958.
Nesse ano, conclui a primeira tradução teatral: “Good people”, então intitulada “A fábula de Brooklin — Gente como nós”. Fez parte do grupo que "implantou" o frescobol no posto 9, Ipanema, Rio de Janeiro.
Escreve o roteiro de “Marafa”, a partir do romance homônimo de Marques Rebello. Em 1959. No mesmo ano, apresenta na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, a convite de Frederico Chateaubriand, uma série de programas intitulada “Universidade do Méier”, na qual desenhava enquanto fazia comentários. Posteriormente, o programa foi transferido para a TV Tupi do Rio de Janeiro, com o título de “Treze lições de um ignorante” e suspenso por ordem do governo Juscelino Kubitschek após uma crítica à primeira dama do país: Disse Millôr: "Dona Sarah Kubitschek chegou ontem ao Brasil depois de 5 meses de viagem à Europa e foi condecorada com a Ordem do Mérito do Trabalho." Nasce sua filha, Paula.
Nos anos seguintes, já integrado à intelectualidade carioca, convive com Péricles, criador de "O Amigo da Onça", Nelson Rodrigues, David Nasser, Jean Manson, Alfredo Machado, Fernando Chateaubriand, Emil Farhat e Accioly Netto, entre outros.
Em 1960, depois de resolvidos os problemas com a censura, estréia no Teatro da Praça, no Rio, ”Um elefante no caos”. O título original da peça era “Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país” rendeu a Millôr o prêmio de “Melhor Autor” da Comissão Municipal de Teatro. O filme “Amor para três”, com roteiro do biografado, baseado em “Divórcio para três”, de Victorien Sardou, é dirigido por Carlos Hugo Christensen. Millôr colaboraria com esse diretor em mais três filmes: “Esse Rio que eu amo”, 1962, Crônica da cidade amada”, 1965, e O menino e o vento, 1967.
Expõe, em 1961, desenhos na Petit Galerie, no Rio. Viaja ao Egito e retorna antes do previsto, tendo em vista a renúncia do presidente Jânio Quadros. Trabalha por 7 dias no jornal "Tribuna da Imprensa", Rio, que mais tarde pertenceu a seu irmão Hélio Fernandes. Foi demitido por ter escrito um artigo sobre a corrupção na imprensa. Os editores, o poeta Mário Faustino e o jornalista Paulo Francis pediram também demissão em solidariedade.
No ano seguinte, na edição de 10 de março de “O Cruzeiro”, “demite” Vão Gôgo e passa a assinar Millôr. A Amstutz & Herder Graphic Press, importante publicação de Zurique, dedica uma página de seu anuário ao autor. “Pigmaleoa” é apresentada, sob a direção de Adolfo Celi, no Teatro Rio.
Em 1963, escreve a peça teatral “Flávia, cabeça, tronco e membros”. Viaja a Portugal e, durante sua ausência, a revista “O Cruzeiro” publica editorial no qual se isenta de responsabilidade pela publicação de “História do Paraíso”, que obteve repercussão negativa por parte dos leitores católicos da revista. Millôr deixa a revista e começa a trabalhar no jornal “Correio da Manhã”, lá ficando até o ano seguinte.
A partir de 1964, e até 1974, colabora semanalmente no jornal Diário Popular, de Portugal. A página mereceria o seguinte comentário de um ministro de Salazar: "Este tem piada, pena que escreva tão mal o português". Lança a revista “Pif-Paf”, considerada o início da imprensa alternativa no Brasil. Foi fechada em seu oitavo número, por problemas financeiros.
Volta à TV, em 1965, como apresentador na TV ecord, ao lado de Luis Jatobá e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), do “Jornal de Vanguarda”. “Liberdade liberdade” estréia no Teatro Opinião, no Rio, musical escrito em parceria com Flávio Rangel.
Composta pelo biografado, a canção “O homem” é defendida no II Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, por Nara Leão, em 1966. Monta, ao ar livre, no Largo do Boticário, Rio, só com atores negros, sua adaptação de “Memórias de um sargento de milícias”.
Em 1968 atua, ao lado de Elizeth Cardoso e do Zimbo Trio, em “Do fundo do azul do mundo”, espetáculo musical de sua autoria. Passa a colaborar com a revista “Veja”.

Casimiro de Abreu

Abreu, Casimiro de (1837-1860), poeta romântico brasileiro. Dono de rimas cantantes, ao gosto do público, Casimiro de Abreu publicou apenas um livro, As Primaveras(1859). Filho de um rico comerciante, Casimiro de Abreu nasceu em Barra de São João (Rio de Janeiro) e cresceu no Rio, então capital do Império e centro cultural do país. Entre 1853 e 1857, estudou em Portugal. A vocação literária, porém, suplantou a vida acadêmica. Em Lisboa, iniciou-se como poeta e dramaturgo. A peça Camões e Jaúestreou no teatro D. Fernando e, nela, o autor proclama sua brasilidade, as saudades dos trópicos e refere-se a Portugal como "velho e caduco". De volta ao Brasil, dedicou-se à atividade comercial, com o apoio paterno. Mas definia este trabalho como uma "vida prosaica…que enfraquece e mata a inteligência". Morreu aos 21 anos, de tuberculose, em Nova Friburgo, estado do Rio de Janeiro. Seu poema mais famoso éMeus Oito Anos. Da segunda geração romântica brasileira, Casimiro de Abreu cultivava um lirismo de expressão simples e ingênua. Seus temas dominantes foram o amor e a saudade. Embora criticado por deslizes de linguagem e falta de embasamento filosófico, Casimiro de Abreu é admirado, justamente, pela simplicidade. Alguns versos acabaram se incorporando à linguagem corrente como, por exemplo, simpatia é quase amor,hoje nome de um famoso bloco do carnaval carioca.
É pequena a obra poética de Casimiro de Abreu. Porém, deixou-nos de forma marcante, a poesia da saudade: "Canção do exílio" ("Meu lar") em que partia da aceitação premonitória, "Se eu tenho de morrer na flor dos anos", para a formulação de um desejo que se realizou plenamente: "Quero morrer cercado dos perfumes / Dum clima tropical.”. Meus Oito Anos, Minha Terra - poemas escritos em Portugal, onde adquiriu sua educação literária.

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Como são belos os dias
Do despontar da existência !
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !

Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !



segunda-feira, 26 de março de 2012

"Se tiver acompanhado esquece e vem, que uma noite não é nada meu bem!"

CHAPLIN





O vagabundo


              Carlitos é sem dúvida o personagem mais carismático, criado por Charles Chaplin, no filme Tempos Modernos ele se entrega ao capitalismo como forma de sobrevivência, porém não se rende à mecanização do seu corpo e da sua mente.
            Quando tenta se integrar às engrenagens não se entende com elas. Quando deixa cair sua caixa de equipamentos no meio da engenhoca vê as peças e ferramentas voando pelos ares, tal qual as pessoas que quando não se adaptam ao meio são lançadas para fora como se fossem peças soltas.
            Se Chaplin fizesse hoje um filme sobre a modernização do trabalho, não estaria girando entre as engrenagens da fábrica, possivelmente estaria feito louco de um lado para o outro com o celular no ouvido e em meio a pilhas e pilhas de papéis e computadores gritando que não tinha tempo para nada. O tempo antes era ditado pela velocidade das máquinas agora é comandado pela agilidade das informações.
            O filme apresenta um dualismo histórico. De um lado os meio acelerados de trabalho e de produção, que é a cara do capitalismo. Do outro, a amizade, porque não dizer o amor quase que paternal do operário pela jovem órfã. Uma relação de cuidado e atenção que vai além das aparências, além do que uma pessoa possa adquirir.
            A modernidade juntamente com a tecnologia tem o poder de aproximar as pessoas. Com certeza estamos cada vez mais próximos uns dos outros através dos meios de informações e das redes sociais. Porém, tenho minhas dúvidas em relação à qualidade desta aproximação, se a usufruímos de forma ideal. Passamos horas em frente ao computador, lendo sobre o que as pessoas fazem , gostam, sentem. Mas não tocamos em suas mãos, não sentimos seu cheiro, não desfrutamos das coisas que lhe dão prazer.
            A fluidez das relações é uma característica da sociedade moderna, a velocidade em que temos acesso às pessoas também é a mesma em que elas se vão das nossas vidas. 

Isabel Vargas - Março 2012.

Avaliação Psicológica

A avaliação psicológica é um procedimento que visa avaliar, através de instrumentos previamente validados para a determinada função, os diversos processos psicológicos que compõe o indivíduo, sendo o psicólogo o único profissional habilitado por lei para exercer esta função. A avaliação e descrição da realidade psicológica de alguém fornece ao psicólogo um conjunto de informações, as quais este deve saber interpretar, selecionar e sobretudo transmitir e devolver.Esta responsabilidade traz consigo uma série de considerações éticas que visam não somente a imparcialidade do processo em si, mas principalmente a humanização deste, tendo como foco, em última instância a preservação da integridade do sujeito avaliado.Partindo deste principio muitas questões vem a tona, como a influência do diagnóstico no contexto social do avaliado; o posicionamento do psicólogo em relação à avaliação; além do sigilo profissional na confecção de laudos, além de várias outras que cercam a responsabilidade ética na avaliação psicológica. O psicólogo deve ter consciência da influência que um diagnostico pode trazer para a realidade do avaliado. Uma das críticas feitas a avaliação diz respeito a esta questão, que a avaliação muitas vezes pode ser facilitadora dos processos de exclusão.
A idéia que surge neste contexto refere-se a importância que este diagnóstico pode adquirir na vida do sujeito, falando-se tanto em uma relação pessoal (“o teste diz que eu não sou apto para o emprego X”) como para uma relação mais social, onde a avaliação psicológica pode ser motivo de exclusão dos sujeitos nos mais diversos ambientes, desde o familiar até em suas relações sociais dentro da comunidade.
O posicionamento do psicólogo em relação à realidade do paciente é outro ponto que deve ser levado em consideração ao realizar a avaliação, sendo que o curso de uma entrevista, por exemplo, é bastante influenciado por variáveis pessoais como sexo, raça, situação sociocultural entre outras. A atenção do psicólogo nestas situações em relação a estas variáveis é de extrema importância, apropriando-se das influências que estas causam ao avaliado sem no entanto abandonar a imparcialidade que a avaliação psicológica existe para comprovar sua validade.
Cabe ao psicólogo então, manter em mente estas noções ao realizar o processo, buscando uma relativização dos efeitos desta avaliação que, embora sustentada em bases teóricas, possui uma grande carga de elementos pessoais do mesmo. Passando para uma perspectiva histórica, os testes psicológicos surgiram no início do século XIX, sendo seu uso fortalecido no período das guerras, principalmente nos EUA.No Brasil começaram a ser usados principalmente para seleção e orientação profissional. Entre os anos 60 aos 80 não havia muito investimento em avaliação psicológica e elaboração de testes ou adaptação dos testes já existentes à população brasileira. Nos anos 90 inicia-se uma mudança deste quadro, com o surgimento de laboratórios em universidades focando esta área até então pouco explorada no pais.
A regulamentação dos testes em 2003 (Resolução n° 2/2003) foi uma reposta do Conselho Federal de Psicologia a uma demanda da categoria profissional e da própria sociedade, que muitas vezes acabava prejudicada pelo uso indevido. Atualmente, existe o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), onde encontra-se documentos sobre a avaliação de testes psicológicos feitas pelo CFP, lista de testes com parecer favorável e desfavorável, além de uma série de outros informativos relacionados ao assunto.
Atualmente, o papel da avaliação psicológica já assume um papel de maior destaque dentre as funções exercidas pelo psicólogo, com a abertura de novos campos para a prática, destacando-se entre estes a psicologia no Âmbito Penal e a Psicologia do Trânsito.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre/RS

O Hospital Psiquiátrico São Pedro, nomeado Hospício São Pedro em homenagem ao padroeiro da Província, foi a primeira instituição psiquiátrica de Porto Alegre e da Província de São Pedro. Fundado em 13 de maio de 1874, foi inaugurado somente dez anos após, no dia 29 de junho, data consagrada a São Pedro. Foi o sexto asilo/hospício de alienados durante o Segundo Reinado no Brasil (1841-1889). Designado como Hospício São Pedro até 1925, passou a ser chamado Hospital São Pedro até 1961, quando então assumiu a atual identidade de Hospital Psiquiátrico São Pedro.
De 1884 a 1889, o Hospício São Pedro foi uma instituição que atuou como um mecanismo institucional terapêutico e de regulação social. O doutor Carlos Lisbôa, primeiro médico-diretor do Serviço Sanitário do Hospício São Pedro, registrou no seu primeiro relatório de 20 de dezembro de 1884 e enviado ao provedor da Santa Casa de Misericórdia, que diante dos quadros que se apresentava a loucura, recorria a medicina sintomática, combatendo os sintomas porque os conhecia e porque se apresentavam, não indo à causa porque lhe escapava e a ignorava.


De 1890 a 1924, com a República instaurada e a medicalização de Porto Alegre em andamento, o Hospício São Pedro vinculado não mais a Santa Casa de Misericórdia, mas a Secretaria do Interior e Exterior do Estado do Rio Grande do Sul, passou a ser dirigido pelo saber médico psiquiátrico. A presença de muitos médicos integrando em comum os quadros de funcionários do Hospício São Pedro, da Santa Casa de Misericórdia e da Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre, proporcionou uma interação das três principais instituições voltadas à saúde pública, instigando o desenvolvimento das práticas terapêuticas e vitalizando a produção do conhecimento médico no Hospício São Pedro e no Estado do Rio Grande do Sul.
De 1925 a 1952, quando encerra o período desta pesquisa sobre um pouco da história do Hospital Psiquiátrico São Pedro, um novo Regulamento em 1925 definiu a Instituição não mais como um manicômio, mas um nosocômio, mantendo seus objetivos de "asylar e tratar doentes das faculdades mentaes". Neste momento, um novo discurso médico-psiquiátrico voltado à promoção da saúde e uma nova prática terapêutica de avançada tecnologia à época se estabeleceram no Hospital São Pedro, persistindo o problema da superpopulação asilar.


quarta-feira, 21 de março de 2012

História do Festival de Balonismo de Torres

O Festival de Balonismo em Torres iniciou por acaso. Em 1989, durante os preparativos da II FEBANANA, festa anteriormente realizada no Município, os organizadores resolveram inovar e trazer alguns balões para a divulgação do evento. O interesse do público pelos balões foi tanto que, em outubro daquele ano, surge o 1º Festival Sulbrasileiro de Balonismo em Torres. A FEBANANA não mais se realizou no Município, enquanto que o Festival de Balonismo passou a ser realizado anualmente, tornando-se o principal e mais tradicional evento da cidade.
 
A 1ª edição do Festival foi um verdadeiro sucesso, contou com a participação de 10 enormes e coloridos balões e chamou a atenção principalmente por se tratar de um evento inédito no sul do país. Jornais expoentes do Rio Grande do Sul divulgaram e destacaram o acontecimento, possibilitando que pessoas de todo o Estado tomassem conhecimento deste evento. Realizado no mês de outubro, porém, os ventos da primavera atrapalharam um pouco a competição, impedindo os balões de alçarem vôo em muitas provas.
 
A cada ano, aumenta o número de balões no evento, colorindo ainda mais o céu de Torres. Também balonistas e suas equipes ganham a empatia do público que, gradativamente, cresce a cada nova edição do Festival.
 
Fatos marcantes, ocorridos durante os dezoito anos de Festival, valem ser lembrados:
 
Na 3ª edição, a novidade foi o número recorde de balões (22) e de público participante (25 mil pessoas), atraídos especialmente pela chegada de helicóptero do Coelinho da Páscoa, e pelo Bal ão da Xuxa, que pela primeira vez se apresentou em Torres;
 
Na 4ª edição do evento, em 1992, o paulista Leonel Brites realizou a façanha de apanhar as chaves do carro 0km oferecido como prêmio na Prova do Mastro. A chance desta prova ser concluída é de apenas uma em cada cem;
 
Em 1993, Lincoln Freire realizou um vôo pendurado num balão em forma de lata da Skol, fato in édito na América do Sul até então.
 
Em 1994, o Programa Jornal do Almoço, da RBS TV, foi realizado ao vivo, direto do evento, durante a abertura da 6ª edição. O show nacional da banda Só Para Contrariar foi a outra grande atração do evento;
 
No 7º Festival de Balonismo, o público assistiu ao casamento do piloto paulista Eduardo de Melo com a torrense Patrícia Pompermaier, dentro de um balão semi-inflado. No mesmo ano, dois balões foram levados para o mar, sendo seus tripulantes resgatados por um helicóptero da Brigada Militar.
 
No festival de 1997, 9ª edição, além da presença de 30 balões – as estrelas da festa, provenientes do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Argentina, Uruguai, França e Inglaterra, o evento contou com diversas atrações paralelas. Shows com as bandas Titãs e Negritude Júnior, para-quedismo, acrobacias aéreas, espetáculo pirotécnico, Night Glow (dança dos balões iluminados, ao som da 9º Sinfonia de Beethoven) e a realização da Mostra Regional de Turismo, do 1º Exposul (mostra de móveis, decoração e serviços) e das Feiras de Vestuários Outono/Inverno e da Construção Civil foram algumas das atra ções;
 
Na 10ª edição, o vento voltou a pregar peças nos balonistas, levando novamente um balão em direção ao mar, assustando piloto e auxiliar. O balão chegou a entrar cerca de 500 metros mar à dentro. Neste mesmo ano, o balonista Ricardo Free e seu companheiro, João Batista Rosa, conseguiram repetir a façanha de Leonel Brites, pegando a chave de um carro 0km na Prova do Mastro. Os shows de Elba Ramalho e Leandro e Leonardo foram a sensação do evento, que contou também com a realização paralela do 1º Encontro Nacional de Pipas, com distribuição de cinco mil “kits pipas” para os participantes do evento, que aprenderam a montar e empinar pipas.
 
Em 2000, o Festival de Balonismo ganhou o status de Festival Internacional de Balonismo.
 
O sucesso das muitas edições do evento consolidou Torres como a Capital Brasileira de Balonismo.
O Festival é hoje o principal evento promovido pelo município, posto que se deve, entre outras coisas, a sua continuidade (em 2006, o Festival completou sua 18ª edição), singularidade (eventos consecutivos como este são realizados apenas em dois outros lugares no mundo: Albuquerque, no Novo México, e Chateau D’Ouex, na Suíça) e a mídia espontânea que gera em veículos de rádio, TV e jornais.











Machado de Assis precursor da Antipsiquiatria

A análise que nos propomos fazer de "O Alienista" de Ma­chado de Assis é urna tentativa de compreensão da vida do autor e do Rio de Janeiro na época em que foi escrito; em uma perspectiva crítica procuramos entender os motivos pelos quais levaram o autor ao interesse pela doença mental.


Julgamos que esse conto é uma grande obra de antipsiquiatria brasileira. Através da literatura podemos tecer as relações entre a ar­te, a psicopatologia e um dado momento histórico. Sabemos que as chamadas "doenças mentais" são tão an­tigas quanto o homem. Os primeiros documentos existentes falam da sua origem atribuída à relação precária entre o ho­mem e as divindades. A doença seria o castigo para faltas mo­rais ou o resultado da penetração de um espírito maligno no organismo humano.
Nos povos antigos não havia a separação entre o sofrimento mental e o físico, entre medicina, magia e religião. As práticas do xamã, do pajé, do feiticeiro seriam an­cestrais de vários modelos terapêuticos. Na Idade Média, pra­ticou-se o exorcismo e os "possessos" (os heréticos, os políti­cos, os doentes mentais e, sobretudo, as mulheres) foram muitas vezes queimados como bruxos. Havia nas cidades medievais uma delimitação nítida dos espaços. Fora dos seus muros, os lou­cos, os leprosos. Dentro, os razoáveis, os civilizados.
Para avi­sar sua aproximação os leprosos usavam um sininho. Os doi­dos possuíam, também eles, uma roupa diferente; era a semio­logia da loucura. Na França Medieval existia o costume de ce­lebrar, no dia vinte e oito de dezembro, a Festa dos Loucos. Essa missa profana, da qual participavam os padres, as crian­ças e os loucos, acontecia logo após o Natal. Era necessário "arejar os tonéis de vinho para que não explodissem..." (A pa­lavra folie, loucura em francês, tem o mesmo radical de fole, em português - aquilo que sopra o ar, "esvaziando a cabeça" de toda a alienação).
Havia nessas festas, nessas folias que se assemelhavam às saturnais romanas, uma tentativa da Igreja no sentido de ocupar um espaço que fora pagão. Espaço físi­co - pois os templos anteriores teriam sido destruídos para que sobre eles se construíssem as igrejas cristãs - e espaço simbólico. A festa era um rito de transição. Depois de um ano, através dessa celebração às avessas na qual era grande a im­portância das crianças, dos pequenos, dos parvos, dos bobos, fortificava-se a autoridade desgastada da Igreja. Essa carnava­lização durava uma semana. Através de um psicodrama inin­terrupto, a sociedade dramatizava os seus conflitos.
Não somente na literatura, mas também na vida real, exis­tiram as Naus dos Insensatos que, errando de porto em porto, transportavam a sua carga insana.
Na Renascença, a psicopatologia começou a separar-se do demonismo.
Os loucos passaram a ser recolhidos nos sanatórios, junta­mente com toda a população marginalizada: os mendigos, as prostitutas, os criminosos. Dessacralizou-se a loucura, que pas­sou do terreno religioso para o ético. O louco tornou-se um "ca­so de polícia", pois perturbava o espaço social.
Entre 1793 e 1838 Pinel fez a grande reforma psiquiátrica na França. Junto com Esquirol e outros seguidores criou o que hoje se denomina a Escola dos Grandes Alienistas Franceses. Essa reforma aconteceu paralelamente à revolução que eclodiu com a tomada da Bastilha em 1789, e que se esten­deu até 1795. A Revolução Francesa marcou uma longa luta pela emancipação política, social e econômica das massas po­pulares européias.
No IV Congresso Mineiro de Psiquiatria, em 1981, em Bar­bacena, o Dr. Joel Birman proferiu uma conferência intitula­da "A identidade do psiquiatra" na qual aponta mudanças que ocorreriam, do século XVIII para o XIX, no conceito de loucu­ra e, conseqüentemente, na identidade do psiquiatra. Se a lou­cura era vista de início, como alienação mental, insensatez, associada ao pecado, devendo ser, portanto, exorcizada, ga­nhou ao longo dos tempos o estatuto social de enfermidade, doença mental que deveria ser tratada. Criou-se a psiquiatria, parte da medicina que cuidaria dos males psíquicos. Delimi­taram-se os espaços para alocar os doentes, definiram-se as tec­nologias de intervenção. Os loucos encerrados nos asilos, ex­cluídos do convívio social, tinham os seus carcereiros - os psiquiatras.
A partir da ação libertadora de Pinel, do momento em que a doença mental passou a ser vista como algo a ser cuidado, e não, punido, o psiquiatra ascendeu à condição de terapeu­ta.
Mais tarde, segundo a teoria da medicina preventiva, sur­giu a idéia de que todos seríamos passíveis de sofrer uma cri­se vital e uma conseqüente intervenção psiquiátrica. O foco da atenção dos especialistas estaria dirigido não mais para a doença, e sim, para a saúde mental. O Dr. Birman fala de "imperialismo psicológico" com o seu "batalhão" de psicope­dagogos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, psicote­rapeutas das mais diversas linhas, batalhão que existiria para evitar futuras doenças mentais.
O psiquiatra, que fora carcereiro e depois terapeuta, pas­saria a ser um médico "preventivista". Essa intervenção per­manente seria como o confinamento, em um asilo, de toda a so­ciedade.
Vale a pena questionar em que medida esse "exército" do qual nos fala o Dr. Birman não estaria ameaçando destronar os antigos donos do saber - os médicos. E até que ponto esse novo exército não correria o risco de, alcançando o poder, sentir-se onipotente, em uma sociedade como a nossa que pri­vilegia tanto os aspectos psicológicos.
Outro fato que merece ser discutido é o da necessidade des­ses vários especialistas os quais se dedicariam ao doente co­mo um todo, uma pessoa pertencente a um grupo social, com um passado, uma família, uma história, e não, simplesmen­te, como um conjunto de sintomas.
Voltando às transformações do conceito de loucura perce­bemos que a doença mental teria sido aparentemente desmis­tificada. Foucault, em seu livro Vigiar e Punir, nos fala desse espaço social esquadrinhado nos mínimos detalhes por um saber e uma tecnologia psiquiátricos. Nas sociedades discipli­nares, que exercem o poder da norma, para haver controle é preciso que haja vigilância. Daí a necessidade do exame mé­dico, do exame escolar. O saber, que é parte do poder, regis­tra comportamentos, cataloga, hierarquiza, marca desvios, ap­tidões, classifica. Seria então o hospital um aparelho de exa­minar? E os doentes, objetos de descrição, "casos médicos"? Curar seria voltar à norma?
Surgida na década de sessenta, na Grã-Bretanha, como con­testação aos modelos psiquiátricos existentes, a antipsiquia­tria, com Laing, Cooper e Esterson, tem como básicos três te­mas:

- a negação do modelo da doença mental. (A loucura se­ria somente a expressão de uma sensibilidade mais exaltada, de uma percepção mais profunda);

- o asilo é considerado uma instituição insana (A nova pro­posta seria a de banir a internação compulsória. O doente te­ria livre ingresso em casas onde seria acolhido, sendo-lhe per­mitido expressar-se livremente);

- o psiquiatra e seu discurso tentariam impor o privilégio da classe médica para reconduzir os "desviados".

Segundo afirma Basaglia, médico e professor italiano, os manicômios têm sido como prisões onde o internado entra pa­ra expiar uma culpa sem conhecer as causas e sentença.
O psiquiatra representa concretamente a ciência, a moral e os valores do grupo social do qual é o legítimo representan­te dentro da instituição. Desde a época da Barca dos loucos (Stultifera navis), que errava com sua carga de anormais e indesejáveis, a ciên­cia e a civilização parecem não ter sido capazes de oferecer nada mais que uma ancoragem nas ilhas da marginalização e da reclusão. Para o homem descarrilado moralmente, a pri­são. Para o homem com o espírito doente, o manicômio. Para o criminoso reconhecido doente, o manicômio criminal. Es­sas têm sido as conquistas da ciência até agora.
Joel Birman vai mais longe quando afirma que o tipo de intervenção depende da classe social do indivíduo: ao lado da "geografia enclausurada da loucura", que são os hospícios, exis­te uma elite que se psicanaliza. O problema não seria técni­co, mas sim, político. Para uma sociedade capitalista como a nossa não interessa investir em uma parcela não produtiva de população.
Aqui no Brasil as transformações têm se dado de forma mui­to superficial, e a identidade do psiquiatra-carcereiro, em mui­tas circunstâncias, ainda permanece.
Quando uma rede de televisão faz uma reportagem sensa­cionalista, a opinião pública se escandaliza, mas, depois se "es­quece". Se abrimos os jornais, encontramos notícias como essas:

"(...) e embora ainda muito ruins, as coisas começaram a me­lhorar por lá (hospício em Vargem Alegre)... Os 800 doentes mentais internados já usam roupas e dormem em camas; os mais velhos e doentes não precisam mais disputar um prato de comida no refeitório cercado de valas... As janelas das en­fermarias são de grades por fora e basculantes de vidro por den­tro, que foram praticamente todas quebradas pelos próprios doentes. Algumas das enfermarias ficam no primeiro andar e o refeitório, a cozinha e a caldeira, no segundo. São lugares onde o chão fica constantemente molhado e isso provoca umi­dade e vazamentos nas enfermarias inferiores. As paredes têm limo, pinga água do teto, que às vezes inunda todo o pavilhão. Vargem Alegre é um lugar muito frio (...)."
Outro exemplo do abandono em que vivem e o aniquila­mento que sofrem os doentes mentais das classes menos fa­vorecidas no nosso país, foi retratado no artigo do Jornal do Brasil, do dia 14 de maio de 1984, sobre Juqueri, em Franco da Rocha-SP:

"Em um setor de mulheres, as pacientes andam nuas e su­jas no pátio, onde pousam urubus."

"Nelsinho chegou ao Juqueri quando tinha seis anos. Aos 10, por morder os funcionários, foi punido: passou 12 anos trancado em uma cela forte (solitária). Há um ano, com a desati­vação das celas fortes, ele teve de ser retirado à força da cela e não se conformou - ele mesmo se amarra em sua cama (...)"

''Com pacientes internados em média há 15 anos, alguns há 40, o Juqueri ainda é considerado o 'fim da linha' para o doente mental".

Ao vermos o filme de Hugo Denizart sobre o Pavilhão Fe­minino da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, sentimos o peso esmagador da violência institucional que despersona­liza o doente. É emocionante perceber como aquelas mulhe­res, sob a neutralidade dos uniformes, ainda se esforçam em ser elas mesmas, tentando conservar uma identidade própria. Daí a preocupação do cineasta, com os adornos, os adereços, a flor usada como brinco, as bijuterias, as cores, o banho e o talco, a boneca velha transformada em filha, a preservação dos laços afetivos entre as internas.

Chegamos a Machado de Assis.

Ele nasceu em 1839 em um período de agitações, de tran­sição política. Apesar da Independência ter sido proclamada em 1822, a vida aqui ainda era como nos tempos da Colônia: não tínhamos independência de costumes nem autonomia in­telectual. A literatura não refletia o nosso ambiente - o úni­co veículo para isso seria o jornal, limitado, empolado, retra­tando o clima de politicagem. Tudo vinha da Europa: a moda, a cultura, o teatro lírico e suas prima-donas importadas da França e da Itália. O Rio era uma pequena cidade suja e desconfor­tável. Com suas ruas estreitas, seus lampiões a gás, seus pe­quenos sobrados e, nas proximidades, entre as casinhas hu­mildes, as chácaras dos senhores do Império.
Foi em uma dessas imponentes quintas, no morro do Livra­mento, que nasceu o afilhado da Sra. Bento Barroso Pereira - o menino Joaquim Maria Machado de Assis. Filho de pais pobres - o pai mulato era pintor e dourador; a mãe era por­tuguesa. Foi o primeiro filho do casal e viveu sob a proteção dessa família rica. Sua infância transcorreu entre o sobrado e a casa humilde dos pais. Desse contraste nasceu a inclina­ção pela fidalguia e o desprezo à vida pobre. Esse conflito trans­parece na sua obra, sendo quase uma obsessão a tentativa de esconder a sua origem humilde. Depois de Joaquim Maria nasceu-lhe uma irmã, que morreu prematuramente. Sua mãe também veio a falecer quando ele tinha 10 anos. O escritor não foi uma criança sadia. Houve dois marcos na vida do autor: a morte da mãe e a sua epilepsia. Através de seus escritos obser­va-se que ele adorava essa mãe e muito freqüentemente, se fantasiava como filho de outro pai; este, por sua vez, ao enviuvar, ca­sou-se de novo com uma mulher de sua cor, doceira de um colégio. O menino Joaquim estudou de forma esporádica. Aprendeu francês com um forneiro da padaria de Mme. Gal­lot. Assistia de longe e silencioso às aulas no colégio onde tra­balhava sua madrasta. Mergulhava nos livros da biblioteca des­sa mesma escola. Sempre foi um menino só. Segundo Gon­dim da Fonseca, cuidadoso biógrafo do autor, existiria em Ma­chado de Assis um ódio inconsciente contra esse pai escuro e um desejo de substituí-Io no amor à mãe - o que teria con­tribuído para agravar o seu humor neurastênico, a sua angús­tia, o seu desejo de isolar-se do mundo. Esse amor pela mãe e o fato de haver introjetado o pai como fera transparecem nos seus livros. Diversos personagens enfreiam a língua, receosos de dizer o que na verdade desejam. (Seria essa retenção a ori­gem da sua gagueira na vida real?) O autor era retraído e tími­do, porém o seu comportamento literário foi extremamente arrojado e inovador. Aos 16 anos entrou para a Imprensa Na­cional como aprendiz de tipógrafo. Trabalhando sempre com as letras passou a escrever para as revistas da época. Aos 30 anos casou-se com Carolina Novais, portuguesa como sua mãe e cinco anos mais velha do que ele. Machado, nessa época, já era uma figura de peso na literatura nacional, um jornalista acatado. Não foi, no entanto, bem aceito pela família da mo­ça. Depois do casamento os ataques epiléticos aumentaram acrescidos de outros sintomas psicossomáticos. A doença fez com que a esposa redobrasse os seus cuidados, com desvelos quase maternais.
Sua vida transcorreu metódica: leitura, trabalho intelectual e burocrático (ele era funcionário público). Sempre atormen­tado por problemas de saúde e pelos recalques por motivo de sua raça e origem teve na literatura o seu grande desabafo.
Leme Lopes, em seu livro sobre Machado de Assis, enfati­za que "as manifestações anormais e mórbidas do espírito têm dado origem a grandes criações na tragédia, no romance, na poesia, e mesmo na pintura... Os personagens são então en­carados como representativos de aspectos da personalidade de seu criador... Há assim uma possibilidade de colher, nas grandes obras artísticas, subsídios à compreensão do adoecer psíquico. Em Dostoiévski há mais dados sobre as personali­dades epiléticas que nas monografias feitas com questionários, testes e corretas correlações estatísticas... Há, na obra de Ma­chado de Assis, sonhos e delírios, doenças mentais e perso­nalidades anormais, toda a gama da variação humana, tal co­mo a estudou nesta nossa cidade, na segunda metade no sé­culo passado, o seu maior escritor." (Lopes, 1981). Ainda segundo Leme Lopes "O Alienista" nos faz pensar que o autor tinha um profundo conhecimento das obras dos gran­des alienistas da época, principalmente os franceses. É de se admirar, contudo, que em sua biblioteca não se tenha encon­trado nenhum livro de medicina.
Uma das propostas deste artigo seria entender o mo­tivo do interesse de Machado pela loucura. A epilepsia, que voltou a se manifestar após o seu casamento, aliada às crises psíquicas mencionadas em notas de seu diário, seriam a pos­sível causa dessa preocupação do autor com a alienação men­tal. Machado era de origem humilde, mulato, gago e epiléti­co.
"O Alienista", história escrita em 1882 e inserida no livro Papéis Avulsos, nos fala da vila de Itaguaí e de um determina­do médico, o Dr. Simão Bacamarte, que resolveu, em nome da ciência, ocupar-se da "saúde da alma".
Desde a escolha do nome do protagonista percebemos a ironia do autor. Simão é o nome que se dá aos macacos; do grego Simon, o que tem o nariz chato, originou-se simius, sí­mio. Bacamarte é uma arma de fogo, antiga forma de fuzil. Quem seria, portanto, esse doutor? Quem estaria ele maca­queando? O que estaria caçando, a loucura?
Pois bem. Esse Dr. Bacamarte, que estudara em Coimbra e em Pádua, ao regressar ao Brasil resolveu "agasalhar e tra­tar no edifício que ia construir todos os loucos de Itaguaí e das demais vilas e cidades (...)".
Casara-se aos quarenta anos com Dona Evarista, uma viú­va de 25: "(...) não bonita nem simpática (...), mas que "(...) reunia condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, dige­rida com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robus­tos, sãos e inteligentes (...)".
Esses filhos, porém, não vieram. E o Dr. Bacamarte refu­giou-se na ciência, tal qual Machado de Assis, que também não tendo descendentes, realizou-se na literatura.
Como em Itaguaí ninguém fazia caso dos dementes, "as­sim é que cada louco furioso era trancado em alcova, na pró­pria casa, e, não curado, mas descurado, até que a morte o vi­nha defraudar do benefício da vida", o médico criou o primei­ro asilo, a primeira Casa de Orates, e deu-lhe o nome de Casa Verde. Não sem despertar a desconfiança de muitos, princi­palmente do padre Lopes, que insinuou a Dona Evarista que o seu marido não estava bem: "Isso de estudar sempre, não é bom, vira o juízo."
O doutor (douto ou doudo?) recolheu doentes de todas as partes, furiosos ou não. Pouco a pouco foi catalogando, hie­rarquizando. (O que Leme Lopes chama de "furor cIassifica­tório" típico da medicina mental da época.) Registrou a "ma­nia das pedras", a "mania das grandezas". Não tardou muito, Bacamarte viu um louco em cada pessoa que dele se aproxi­mava, e concluiu: "A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspei­tar que é um continente". (Essa idéia se assemelharia à de Joel Birman quando este último observa que existiria nos dias de hoje como que um Asilo Geral que abrigaria toda a socieda­de.)
Começou a causar apreensão, na cidade, a generalização dos diagnósticos. Até os vereadores foram considerados doen­tes. D. Evarista, esposa do médico, viu-se recolhida à Casa Ver­de, por sofrer da mania do luxo. A insatisfação popular cres­ceu, assim como as acusações à Casa Verde, que foi apelidada de "Bastilha da razão humana", "cárcere privado". Houve uma rebelião, liderada por um barbeiro. E mais outra.
Simão, no entanto, "frio como um diagnóstico", dono do sa­ber e do poder, suplantou todas as dificuldades. Continuou os seus estudos até que, subitamente, mudou a sua teoria. Deu liberdade aos loucos e recolheu ao asilo os homens de bem, alegando que estes seriam os verdadeiros doentes mentais.
Finalmente percebeu que essa não era a teoria acertada e concluiu que possuía, ele mesmo, todas as características do "acabado mentecapto".
Esvazia, então, a Casa Verde, e instala-se aí como o seu único inquilino.
Assim como Freud, que iniciou o processo de auto-análise em 1883, Simão Bacamarte descobriu uma nova doutrina onde ele seria, ao mesmo tempo, a teoria e a prática.
Segundo os cronistas, 17 meses depois morreu o Dr. Simão, "no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada".
É espantoso perceber como Machado de Assis, vivendo em um Rio de Janeiro de tão poucos recursos intelectuais, pu­desse pensar as questões da fronteira entre o normal e o pato­lógico, as relações entre loucura e religião, entre loucura e po­der, loucura e saber.
"O Alienista" é uma obra-prima de antipsiquiatria. Usan­do de um pessimismo irônico muito seu, o autor faz uma gran­de sátira ao saber médico, ao saber psiquiátrico.
"Demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura (...)"
A proposta do Dr. Simão Bacamarte não foi alcançada, mas ele denunciou os homens da Câmara e das tantas Casas Ver­des que, infelizmente, ainda existem nos nossos dias.
Além de possuir um valor inestimável enquanto texto lite­rário, "O Alienista" pode ser considerado como a primeira obra de antipsiquiatria brasileira.
Machado de Assis, assim como Simão Bacamarte, morreu só. Deixou-nos, entretanto, o legado dos seus escritos imortais.


Origens etimológicas

Alienado - Do lat. alius, "que pertence a outro, ou outrem, estra­nho", fez-se o verbo alienare, "fazer diferente, alterar, tornar estra­nho, afastar, etc.", e daí o port. alhear e a f. culta alienar, da lingua­gem jurídica, "transferir a outrem o senhorio, propriedade, posse, usu­fruto de algo, por venda, doação, etc." Como se empregasse, em lat., alienare mentem, "Sem sentido, fora da razão", veio o uso freqüente de alienado, com o sentido de "louco". (Guérios, 1979, p. 11)

Alienista - Médico especializado em doenças mentais

Delirar - V. Do lat. delirare, "sair do sulco marcado pela charrua; perder o caminho direito; perder a razão, delirar" (de lira, "sulco"); cf., em Port., os sentidos metafísicos de desencaminhar e de descar­rilar. (Machado, 1952, p. 747)

Orate, s. - Do esp. orate, este do cast. orat, "doido, louco", que, por sua vez, é derivado romance do lat. aura, "ar, vento, sopro maligno".

Bobo - do lat. balbu, gago; em português tonto, cretino. (Nascentes, 1932, p. 114)

terça-feira, 13 de março de 2012

Neuróticos somos todos nós!

A loucura (leia-se a psicose) sempre despertou fascínio, medo e curiosidade. Seja para artistas, leigos ou estudiosos da mente humana. O pintor Hieronymus Bosch retratou-a belamente em “Nau dos loucos”. O cinema traz personagens ímpares para ilustrar a psicose. A psicanálise também dedicou-se ao tema, começando por Freud e tendo Lacan aprofundado em demasia.
Na teoria freudiana, aprendemos que na esquizofrenia (um tipo clínico da psicose), as palavras são tomadas como coisas. Pois há um investimento exacerbado nas representações destas palavras, que não são inscritas de forma representada no inconsciente do paciente.
É essa a diferença determinante na psicose. O que é vivido como traumático, como afetivamente intenso pelo psicótico, não ganha uma representação capaz de favorecer o escoamento energético ou a vinculação desse excesso a uma ideia, a uma representação. As palavras são reais."
A autora explica de forma clara a diferença entre a neurose (lembrando que neuróticos somos todos nós, disse Freud, em maior ou menor grau) e a psicose. Enquanto na neurose o conteúdo traumático é recalcado (ou enviado ao inconsciente), e o recalque retorna, sob a forma de sintoma (no corpo) ou como pensamentos (angústia). Já na psicose, um fragmento ruim da realidade concreta é rejeitado e substituído por um delírio. A diferença se daria não no rompimento com a realidade, mas na forma de restaurá-la.
Para Freud, em resumo, os psicóticos eram inanalisáveis, pela sua incapacidade de estabelecer a transferência entre analista e analisante. Lacan discorda e cria sua clínica da psicose, dedicando um seminário (1955-1956) para o tema, embora já o tivesse trabalhado em sua tese de doutoramente, em 1932 e retomado em 1975-1976, no seminário 23 “O sinthoma”, em que discorre sobre James Joyce.
Na psicose, em especial, não se dá a extração do objeto a e, por conseguinte, a castração não opera com seus efeitos de organização simbólica. Além disso, não se constituiu a tela da fantasia projetivamente a partir do ponto de ausência do simbólico. Esse ponto foge à perspectiva da linguagem e, na neurose, seria ocupado pela significação do falo, o significante da ausência, como testemunha da inscrição da castração. No lugar dessa tela protetora da neurose, encontramos na psicose o sujeito diante do real da castração sem mediações."
O parágrafo acima pode ser de difícil compreensão para os não psis. Falta ao psicótico o filtro que nos insere na sociedade, esta rede da linguagem (nosso laço social). Alguns conseguem sublimar, como James Joyce, que, segundo Lacan, a grosso modo, tinha um pé na psicose. Lacan ainda acreditava que a psicose é uma posição do sujeito, uma escolha subjetiva. Segundo Andréa, o psicótico não está fora da linguagem, mas se relaciona com ela de maneira particular, pois ela lhe é exterior. Creio que há tantos neuróticos por aí com linguagens tão incompreensíveis quanto os próprios psicóticos.
por Vanessa Souza