Preso a uma cadeira e com as pálpebras abertas à força por uma máquina, o assassino Alex é obrigado a assistir a longas horas de vídeos com cenas de violência explícita. Algo que ele, em princípio, gosta. Drogado para associar as imagens na tela a sentimentos de dor extrema, o criminoso passa a sentir aversão à crueldade e, finalmente, é considerado “recuperado”. Quarenta anos depois da clássica cena do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, a busca de uma cura para a maldade deixou de ser ficção científica. Ela hoje está presente no cotidiano de dezenas de centros de pesquisa pelo mundo. Laboratórios na Alemanha, nos Estados Unidos e na Inglaterra abrigam scanners que medem o fluxo de sangue no cérebro e aparelhos de sequenciamento genético que ajudam a traçar uma nova anatomia do mal dentro do ser humano.
Como resultado, a ciência encontrou áreas cerebrais envolvidas no controle da maldade, genes relacionados à crueldade e situações em que até mesmo os mais bondosos podem se transformar em torturadores. Numa análise do que aconteceu durante as torturas da prisão de Abu Ghraib, por exemplo, cientistas citam fatores como o estresse dos soldados, o tipo de comando e até o calor excessivo como alguns dos ingredientes de uma situação perfeita para que pessoas tidas como “de bem” libertassem seu lado torturador. Estudos também mostram que por trás daquela dificuldade de se conter em partir para a briga em discussões pode estar uma falha em algumas regiões cerebrais.
As descobertas, no entanto, já inspiram técnicas para “corrigir a mente” tão controversas quanto as do filme. Entre elas, a oxitocina, uma droga que age no cérebro para melhorar o comportamento moral, e terapias preventivas com crianças que apresentam risco de se tornarem psicopatas. As pesquisas mostram que fazer o mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. “Pessoas fizeram atos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no cérebro”, sugere o Ph.D. em psicologia e professor da Universidade de Cambridge, Simon Baron-Cohen, que acaba de lançar o livro Science of Evil (A Ciência do Mal, ainda sem edição no Brasil), obra na qual revisa mais de 300 estudos da área.
Como resultado, a ciência encontrou áreas cerebrais envolvidas no controle da maldade, genes relacionados à crueldade e situações em que até mesmo os mais bondosos podem se transformar em torturadores. Numa análise do que aconteceu durante as torturas da prisão de Abu Ghraib, por exemplo, cientistas citam fatores como o estresse dos soldados, o tipo de comando e até o calor excessivo como alguns dos ingredientes de uma situação perfeita para que pessoas tidas como “de bem” libertassem seu lado torturador. Estudos também mostram que por trás daquela dificuldade de se conter em partir para a briga em discussões pode estar uma falha em algumas regiões cerebrais.
As descobertas, no entanto, já inspiram técnicas para “corrigir a mente” tão controversas quanto as do filme. Entre elas, a oxitocina, uma droga que age no cérebro para melhorar o comportamento moral, e terapias preventivas com crianças que apresentam risco de se tornarem psicopatas. As pesquisas mostram que fazer o mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. “Pessoas fizeram atos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no cérebro”, sugere o Ph.D. em psicologia e professor da Universidade de Cambridge, Simon Baron-Cohen, que acaba de lançar o livro Science of Evil (A Ciência do Mal, ainda sem edição no Brasil), obra na qual revisa mais de 300 estudos da área.
A EMPATIA
Para saber o que são essas deficiências cerebrais, é preciso antes entender um mecanismo apontado como válvula de segurança contra a maldade. A empatia é a capacidade natural que temos de identificar o que outra pessoa está pensando ou sentindo e responder com uma emoção apropriada. Quando alguém chora ao ver um filme triste ou esboça um sorriso ao ouvir uma gargalhada, ativa a empatia. É também essa habilidade que atua quando você freia um instinto de agredir alguém indefeso ou impede um terceiro de agir assim, prevendo o sofrimento da vítima. “Maldade é falta de empatia. Você causa mal a alguém porque não está preocupado se a pessoa vai se machucar fisicamente ou emocionalmente”, diz o psiquiatra Fábio Barbirato, da Santa Casa do Rio de Janeiro.
Na última década, estudos mostraram que a empatia não é apenas um conceito filosófico, mas pode ser localizada dentro da massa cerebral. Há consenso na neurociência de que pelo menos 10 regiões cerebrais, chamadas por Baron-Cohen de “circuito da empatia”, estão relacionadas com essa capacidade. Quando há lesão em áreas como o córtex pré-frontal medial, perdemos reações involuntárias que temos ao assistir a cenas fortes como mutilações (aumento de batimento cardíaco e suor nas mãos), o que sugere que a dor do outro deixa de ser processada da mesma forma dentro da gente. Já outras áreas, como a parte anterior da ínsula, são ativadas tanto quando sentimos dor quanto no momento em que vemos alguém sofrer um estímulo doloroso. Há pelo menos 60 pesquisas mostrando essas conexões e sugerindo um mecanismo do cérebro que se ativa para que, de alguma forma, também possamos sentir dentro de nós as emoções que presenciamos.
Na última década, estudos mostraram que a empatia não é apenas um conceito filosófico, mas pode ser localizada dentro da massa cerebral. Há consenso na neurociência de que pelo menos 10 regiões cerebrais, chamadas por Baron-Cohen de “circuito da empatia”, estão relacionadas com essa capacidade. Quando há lesão em áreas como o córtex pré-frontal medial, perdemos reações involuntárias que temos ao assistir a cenas fortes como mutilações (aumento de batimento cardíaco e suor nas mãos), o que sugere que a dor do outro deixa de ser processada da mesma forma dentro da gente. Já outras áreas, como a parte anterior da ínsula, são ativadas tanto quando sentimos dor quanto no momento em que vemos alguém sofrer um estímulo doloroso. Há pelo menos 60 pesquisas mostrando essas conexões e sugerindo um mecanismo do cérebro que se ativa para que, de alguma forma, também possamos sentir dentro de nós as emoções que presenciamos.
CURTO-CIRCUITO
Esse mecanismo de identificação nos leva a considerar o sentimento dos outros ao tomar qualquer atitude. Você vê uma velhinha cheia de pacotes com dificuldades para subir as escadas e sente vontade de ajudá-la. Ou vê o seu irmãozinho chorando e para de brigar. Só que nem sempre o mecanismo está a todo vapor. Fatores como estresse, álcool e cansaço diminuem temporariamente a empatia. O sistema também é desligado quando estamos muito focados em nós mesmos. Seu cérebro pode não perceber o sufoco da velhinha se você está às voltas pensando no namorado ou namorada que está lhe traindo, por exemplo.
Ao diminuir a identidade com o próximo, uma pane da empatia também faz com que a pessoa não sinta um bloqueio ao pensar em fazer algo malvado. “Quando alguém comete uma crueldade, esse circuito tem um mau funcionamento, está desligado”, defende Baron-Cohen. Mas para que a vontade de praticar uma maldade não seja freada pela perspectiva de sofrimento da outra pessoa, é preciso que a empatia esteja bem baixa, o que normalmente não está ligado apenas a fatores de momento. É por isso que o cientista inglês e outros especialistas criaram uma medida do funcionamento desse sistema no cérebro, o quociente de empatia, ou simplesmente QE. A avaliação é feita por questionários (veja um no final desta matéria), mas pode ser confirmada medindo ondas cerebrais. Quanto maior o QE, mais altas as chances de frear impulsos de crueldade por “sentir” a dor do outro.
Nos psicopatas, por exemplo, a empatia é zero. Eles não são contagiados pelas emoções alheias e não sofrem remorso. “Há uma área do cérebro abaixo da órbita do olho que integra o caráter. Nos psicopatas, indivíduos que têm defeito na empatia, essa área não se formou direito”, diz a especialista em psicopatia Hilda Morana, doutora em psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Mas eles não são os únicos. Há outros diagnósticos associados ao nível zero, entre eles o transtorno borderline, de pessoas desreguladas emocionalmente, com tendência a comportamentos agressivos — essas também têm padrões diferentes no circuito da empatia.
Um pouco acima do nível zero estão pessoas que podem ser capazes de machucar as outras, mas sentirão remorso depois. É o caso daqueles que explodem facilmente durante discussões, chegando à agressão. Nesse caso, o circuito cerebral não funciona suficientemente para inibir os impulsos violentos e a pessoa não percebe estar passando do limite. Num nível ligeiramente acima, a pessoa freia a violência, mas não aquelas situações constrangedoras em que alguém faz comentários como “você engordou”, e não percebe que pode deixar o outro chateado.
O nível de empatia, no entanto, não é determinado no momento do nascimento. “Há uma interação de fatores sociais com causas genéticas que ainda estão sendo investigadas”, diz o indiano Bhismadev Chakrabarti, Ph.D. pela Universidade de Cambridge, ele mesmo descobridor de 4 genes relacionados à empatia. Junto com outros pesquisadores, o neurocientista mediu em 2009 o QE de 349 pessoas e fez um mapeamento genético de cada uma delas. Além dos genes, ele achou uma área cerebral, o giro frontal inferior, sempre mais ativa em pessoas com alto QE. “Já há cerca de 20 genes associados à questão. Ter as variações genéticas não significa automaticamente que a pessoa será empática.”
Ao diminuir a identidade com o próximo, uma pane da empatia também faz com que a pessoa não sinta um bloqueio ao pensar em fazer algo malvado. “Quando alguém comete uma crueldade, esse circuito tem um mau funcionamento, está desligado”, defende Baron-Cohen. Mas para que a vontade de praticar uma maldade não seja freada pela perspectiva de sofrimento da outra pessoa, é preciso que a empatia esteja bem baixa, o que normalmente não está ligado apenas a fatores de momento. É por isso que o cientista inglês e outros especialistas criaram uma medida do funcionamento desse sistema no cérebro, o quociente de empatia, ou simplesmente QE. A avaliação é feita por questionários (veja um no final desta matéria), mas pode ser confirmada medindo ondas cerebrais. Quanto maior o QE, mais altas as chances de frear impulsos de crueldade por “sentir” a dor do outro.
Nos psicopatas, por exemplo, a empatia é zero. Eles não são contagiados pelas emoções alheias e não sofrem remorso. “Há uma área do cérebro abaixo da órbita do olho que integra o caráter. Nos psicopatas, indivíduos que têm defeito na empatia, essa área não se formou direito”, diz a especialista em psicopatia Hilda Morana, doutora em psiquiatria pela Universidade de São Paulo. Mas eles não são os únicos. Há outros diagnósticos associados ao nível zero, entre eles o transtorno borderline, de pessoas desreguladas emocionalmente, com tendência a comportamentos agressivos — essas também têm padrões diferentes no circuito da empatia.
Um pouco acima do nível zero estão pessoas que podem ser capazes de machucar as outras, mas sentirão remorso depois. É o caso daqueles que explodem facilmente durante discussões, chegando à agressão. Nesse caso, o circuito cerebral não funciona suficientemente para inibir os impulsos violentos e a pessoa não percebe estar passando do limite. Num nível ligeiramente acima, a pessoa freia a violência, mas não aquelas situações constrangedoras em que alguém faz comentários como “você engordou”, e não percebe que pode deixar o outro chateado.
O nível de empatia, no entanto, não é determinado no momento do nascimento. “Há uma interação de fatores sociais com causas genéticas que ainda estão sendo investigadas”, diz o indiano Bhismadev Chakrabarti, Ph.D. pela Universidade de Cambridge, ele mesmo descobridor de 4 genes relacionados à empatia. Junto com outros pesquisadores, o neurocientista mediu em 2009 o QE de 349 pessoas e fez um mapeamento genético de cada uma delas. Além dos genes, ele achou uma área cerebral, o giro frontal inferior, sempre mais ativa em pessoas com alto QE. “Já há cerca de 20 genes associados à questão. Ter as variações genéticas não significa automaticamente que a pessoa será empática.”
CULPE OS PAIS
Apesar de cada vez mais descobertas genéticas, a maior parte das explicações para empatia baixa não está no DNA. De 60% a 80% das pessoas borderline, por exemplo, têm histórico de maus-tratos, separação precoce dos pais ou rejeição na infância. De 40% a 70% do mesmo grupo sofreram abuso sexual quando crianças. Ou seja, a educação importa, e muito. Há inúmeras pesquisas que mostram que uma criança, em uma casa estruturada e com educação de qualidade, tende a ser menos agressiva. Mas como relacionar isso ao “tilt” no cérebro? O psiquiatra americano Paul Soloff mostra que pessoas abusadas sexualmente na infância, por exemplo, têm amígdalas cerebrais menores, menos matéria cinzenta no córtex temporal medial e uma região chamada hipocampo menor. Todas áreas ligadas ao circuito de empatia. Isso confirma uma relação já sabida na prática de terapeutas. “[Há mais chance de crueldade em] famílias onde há abusos físicos ou psicológicos, onde a criança não consegue falar das suas dificuldades”, diz o psiquiatra Leandro Thadeu Reveles, da clínica Medicina do Comportamento, em São Paulo.
REMÉDIO?
Mas se são falhas do cérebro que permitem que a maldade apareça, dá para encontrá-las antes que alguém faça uma besteira? Embora não sejam 100% precisos, os testes de Simon Baron-Cohen já identificam pessoas com empatia abaixo do normal. Usá-los no estilo do filme Minority Report, em que os futuros criminosos eram identificados e presos antes de cometerem crimes, ou em entrevistas de emprego, porém, esbarra em questões éticas. A maior é que empatia baixa não significa necessariamente que alguém vá cometer uma crueldade. “Mas deve ser desejável que enfermeiras e babás possuam alto nível de empatia. Pode se tornar parte de um processo de recrutamento.”
Outra opção que se abre, não menos polêmica, é “consertar” os circuitos cerebrais que não funcionam. Estudos mostram que inalar um hormônio chamado oxitocina pode fazer com que as pessoas aumentem o nível de empatia por algumas horas, agindo de forma mais altruísta. “Acho que no futuro iremos além. Mudaremos a pessoa, sua motivação, sua capacidade de responder de modo moral, aumentando a empatia e diminuindo a agressão”, prevê o médico Guy Kahane, especialista do centro de Neuroética da Universidade de Oxford. Kahane, no entanto, faz questão de ressaltar que as chances de melhorias, por enquanto, são pequenas.
O antidepressivo Citalopram é outra droga que tem ganhado notoriedade por aumentar a empatia. A substância faz com que as pessoas fiquem mais reticentes em agredir e ajam de forma mais altruísta. “Tenho visto mais drogas [com resultados ainda não publicados] capazes de mudar o modo como as pessoas se comportam com outras, mas seria errado dizer que estamos perto de curar o mal”, diz Kahane. Se chegarmos lá, usar o remédio pode ser uma decisão difícil. O médico e filósofo Tom Douglas, co-autor de Enhancing Human Capacities (Aumentando as Capacidades Humanas, sem edição em português), lembra que nosso terrível histórico de lobotomias e implantes cerebrais contra gays nos obriga a pensar bem antes de forçar presos a tomar drogas. “Há também o risco de substâncias serem usadas na contra-mão, para que as pessoas ajam de forma amoral. Um empresário com excesso de escrúpulos poderia tomar uma droga que suprimisse sua consciência”, diz Douglas, que estuda ética médica em Oxford. Kahane sublinha a questão polêmica de se mudar a personalidade de alguém, mas prevê formas aceitáveis de uso das drogas. “Se alterarmos o cérebro de alguém contra sua vontade, muitos pensam que mudaríamos a personalidade. Mas os prisioneiros poderiam reduzir sentenças por concordarem com o tratamento”, diz. A esperança mais forte, por enquanto, é usar as drogas junto com terapias, abreviando o tempo total de tratamento.
Outra opção que se abre, não menos polêmica, é “consertar” os circuitos cerebrais que não funcionam. Estudos mostram que inalar um hormônio chamado oxitocina pode fazer com que as pessoas aumentem o nível de empatia por algumas horas, agindo de forma mais altruísta. “Acho que no futuro iremos além. Mudaremos a pessoa, sua motivação, sua capacidade de responder de modo moral, aumentando a empatia e diminuindo a agressão”, prevê o médico Guy Kahane, especialista do centro de Neuroética da Universidade de Oxford. Kahane, no entanto, faz questão de ressaltar que as chances de melhorias, por enquanto, são pequenas.
O antidepressivo Citalopram é outra droga que tem ganhado notoriedade por aumentar a empatia. A substância faz com que as pessoas fiquem mais reticentes em agredir e ajam de forma mais altruísta. “Tenho visto mais drogas [com resultados ainda não publicados] capazes de mudar o modo como as pessoas se comportam com outras, mas seria errado dizer que estamos perto de curar o mal”, diz Kahane. Se chegarmos lá, usar o remédio pode ser uma decisão difícil. O médico e filósofo Tom Douglas, co-autor de Enhancing Human Capacities (Aumentando as Capacidades Humanas, sem edição em português), lembra que nosso terrível histórico de lobotomias e implantes cerebrais contra gays nos obriga a pensar bem antes de forçar presos a tomar drogas. “Há também o risco de substâncias serem usadas na contra-mão, para que as pessoas ajam de forma amoral. Um empresário com excesso de escrúpulos poderia tomar uma droga que suprimisse sua consciência”, diz Douglas, que estuda ética médica em Oxford. Kahane sublinha a questão polêmica de se mudar a personalidade de alguém, mas prevê formas aceitáveis de uso das drogas. “Se alterarmos o cérebro de alguém contra sua vontade, muitos pensam que mudaríamos a personalidade. Mas os prisioneiros poderiam reduzir sentenças por concordarem com o tratamento”, diz. A esperança mais forte, por enquanto, é usar as drogas junto com terapias, abreviando o tempo total de tratamento.
MAL SOCIAL
A abordagem farmacológica é bastante contestada por outro grupo de especialistas que estuda a questão, os psicólogos sociais. Para eles, o mais importante não está dentro do organismo. “A situação é que exerce a maior influência nos casos de crueldade”, diz Philip Zimbardo, Ph.D. em psicologia e professor emérito da Universidade de Stanford. O ex-presidente da Associação Americana de Psicologia desenvolveu essa tese a partir de um dos experimentos mais polêmicos da área. Em 1971, ele simulou as condições de um presídio num porão da Universidade de Stanford e pegou 24 estudantes voluntários (sem nenhum indicativo de empatia baixa) dividindo-os aleatoriamente entre guardas e presos. Aos carcereiros, não foi dada nenhuma instrução. Eles estavam livres para fazer o que fosse necessário para manter a ordem. O estudo, programado para durar 2 semanas, terminou depois de 6 dias, com prisioneiros com depressão e descontrole emocional após serem vítimas do sadismo dos guardas. Os presos foram obrigados a ficar nus, eram acordados com apitos no meio da madrugada, tiveram camas destruídas e foram privados de banheiro, fazendo as necessidades em baldes.
Zimbardo mostrou com isso como cada um de nós (e não apenas os que têm problema de empatia baixa) pode ser levado a cometer atrocidades. Outro experimento clássico da área foi conduzido pelo falecido psicólogo Stanley Milgram em 1963. O pesquisador pediu a voluntários que bancassem o professor e ensinassem a outro estudante (na verdade um ator disfarçado) as respostas certas das questões por meio de pequenos choques, que deveriam aumentar a cada erro. Essa simples sugestão bastou para que 65% das pessoas chegassem a aplicar o nível máximo de eletricidade, mesmo vendo o ator estrebuchar até parecer estar, no fim, desacordado. “O experimento mostra como o ambiente pode levar as pessoas a serem cruéis. Não é uma questão de ser bom ou mau, é a situação”, diz o psicólogo inglês Jerry Burger, que replicou o estudo, obtendo os mesmos resultados, em 2008.
Zimbardo mostrou com isso como cada um de nós (e não apenas os que têm problema de empatia baixa) pode ser levado a cometer atrocidades. Outro experimento clássico da área foi conduzido pelo falecido psicólogo Stanley Milgram em 1963. O pesquisador pediu a voluntários que bancassem o professor e ensinassem a outro estudante (na verdade um ator disfarçado) as respostas certas das questões por meio de pequenos choques, que deveriam aumentar a cada erro. Essa simples sugestão bastou para que 65% das pessoas chegassem a aplicar o nível máximo de eletricidade, mesmo vendo o ator estrebuchar até parecer estar, no fim, desacordado. “O experimento mostra como o ambiente pode levar as pessoas a serem cruéis. Não é uma questão de ser bom ou mau, é a situação”, diz o psicólogo inglês Jerry Burger, que replicou o estudo, obtendo os mesmos resultados, em 2008.
DESUMANOS
Assim como o inglês, dezenas de outros cientistas revelaram, com experiências do tipo, fatores que tendem a produzir o desligamento da empatia. “Estar em uma situação nova sem saber como agir; a crueldade parecer apenas um pouquinho mais do que o que é praticado em volta; a responsabilidade nunca parecer inteiramente sua; pouco tempo para pensar [nas consequências]”, lista Burger. Outras circunstâncias como sentimento de pertencer a um grupo, ordens pouco específicas e estresse também colaboram para o aparecimento de maldade. Todos esses fatores e outros estavam presentes, por exemplo, durante a tortura cometida por soldados americanos contra iraquianos na prisão de Abu Ghraib em 2004, sugere a pesquisadora americana Susan Fiske em artigo na revista Science. Para ela, não apenas os torturadores, mas os comandantes que permitiram que a situação propícia para a maldade fosse criada, deveriam ser responsabilizados. O problema em Abu Ghraib, diz, não era déficit de empatia: a maioria das pessoas poderia ser levada a cometer as mesmas crueldades.
Fiske, Ph.D. em psicologia pela Universidade de Princeton, é uma das primeiras a ver em scanners cerebrais marcas das influências situacionais. Desde o fim da Segunda Guerra, filósofos e sociólogos afirmam que os absurdos praticados durante o Holocausto só foram possíveis porque os agressores viam nas suas vítimas apenas animais repugnantes ou objetos. “As pessoas naturalmente inibem a violência contra outros que categorizam como seres humanos. Então, é preciso que a outra pessoa seja ‘desumanizada’ dentro da cabeça para que isso ocorra”, explica Fiske. Seus estudos, desde 2006, traçam o caminho disso no cérebro. Num dos mais impressionantes, fotografias de pessoas foram mostradas a voluntários, enquanto os cérebros dos observadores eram analisados com scanners. Quando os voluntários viram indivíduos de baixo status social, como mendigos, viciados em drogas ou até imigrantes, ativaram padrões cerebrais relacionados à visão de objetos e não aqueles ativados ao vermos seres humanos. Ou seja, nesse caso, a empatia não funcionaria para prevenir uma agressão.
Para a psicóloga, isso explica o que acontece dentro da cabeça de pessoas que agridem mendigos ou que se deixam levar por um preconceito estimulado pelo Estado para praticar torturas e genocídios. Os discursos e a opinião do grupo dominante podem ser influências importantes nesse caso. “Ninguém está retirando a culpa dos praticantes de atrocidades. Estamos mostrando que não é uma simples questão de ser mau. O ambiente modifica a forma como as pessoas percebem as outras”, diz Fiske.
Fiske, Ph.D. em psicologia pela Universidade de Princeton, é uma das primeiras a ver em scanners cerebrais marcas das influências situacionais. Desde o fim da Segunda Guerra, filósofos e sociólogos afirmam que os absurdos praticados durante o Holocausto só foram possíveis porque os agressores viam nas suas vítimas apenas animais repugnantes ou objetos. “As pessoas naturalmente inibem a violência contra outros que categorizam como seres humanos. Então, é preciso que a outra pessoa seja ‘desumanizada’ dentro da cabeça para que isso ocorra”, explica Fiske. Seus estudos, desde 2006, traçam o caminho disso no cérebro. Num dos mais impressionantes, fotografias de pessoas foram mostradas a voluntários, enquanto os cérebros dos observadores eram analisados com scanners. Quando os voluntários viram indivíduos de baixo status social, como mendigos, viciados em drogas ou até imigrantes, ativaram padrões cerebrais relacionados à visão de objetos e não aqueles ativados ao vermos seres humanos. Ou seja, nesse caso, a empatia não funcionaria para prevenir uma agressão.
Para a psicóloga, isso explica o que acontece dentro da cabeça de pessoas que agridem mendigos ou que se deixam levar por um preconceito estimulado pelo Estado para praticar torturas e genocídios. Os discursos e a opinião do grupo dominante podem ser influências importantes nesse caso. “Ninguém está retirando a culpa dos praticantes de atrocidades. Estamos mostrando que não é uma simples questão de ser mau. O ambiente modifica a forma como as pessoas percebem as outras”, diz Fiske.
TRATAMENTO
Do ponto de vista da psicologia social, portanto, o importante é tratar a sociedade. “Quando você cresce no meio da pobreza, não adianta dar uma pílula contra maldade. Tudo ao redor está forçando os jovens a fazer coisas más”, argumenta Zimbardo. Mas o que fazer, então? Além de reduzir a desigualdade, há outros meios de agir. Fiske, por exemplo, conta com uma equipe de especialistas que monitora grupos percebidos como “desumanizados” (e que, portanto, podem sofrer crueldades) por cidadãos em 20 países — o Brasil não participa da pesquisa. Por meio de avaliações, ela identifica estratos sociais que estão se tornando vítimas de preconceito, o que pode ser útil em ações de prevenção. Já Zimbardo acha que o caminho é ensinar as pessoas com empatia alta a se transformarem em líderes para influenciar a situação fazendo outros se voltarem contra a crueldade. Ele está criando uma rede educacional com esse objetivo, chamada Heroic Imagination Project.
Novas técnicas de terapia também tentam atacar o problema. Resultados positivos de diminuição de agressividade e melhoria de empatia foram conseguidos pelo psicanalista húngaro Peter Fonagy, Ph.D. pelo University College de Londres. “Parece haver um mecanismo que desliga a vontade de ser violento quando percebemos a mente de outra pessoa. É mais fácil matar com uma arma à distância do que com uma faca”, pondera o criador do Mentalization, psicoterapia que envolve exercícios de imaginação. “Ajudamos o indivíduo a pensar em estados mentais dos outros mesmo quando está extremamente nervoso.”
Caminho semelhante é traçado pelo Programa para Pessoas com Severos Transtornos de Personalidade (DSPD, na sigla em inglês) do governo britânico. Num projeto piloto, 12 unidades começaram a tratar e vigiar crianças com graves distúrbios de conduta. A intenção é prevenir o surgimento de psicopatas, o que é bastante contestado entre especialistas. “São pesquisados também marcadores [genes ou substâncias] que indicam predisposição para a maldade. Mas seria ético abordar a pessoa antes de se tornar criminoso?”, pergunta Guy Kahane.
O principal braço do programa DSPD tenta provar que alterar a baixa empatia em criminosos é factível. Presos com psicopatia ou transtorno borderline são separados e tratados em 4 centros psiquiátricos de segurança máxima com drogas e psicoterapia intensiva. Após serem soltos, médicos avaliam seu estado mental e seu perigo para a sociedade periodicamente. De acordo com Hilda Morana, essa separação é positiva. “Em qualquer lugar, 20% dos presos são psicopatas e o restante é bandido comum. Se os dois estiverem juntos, é mais difícil de o bandido comum ser recuperado.”
O DSPD, no entanto, é questionado por ser extremamente caro. Relatórios mostram que o programa consumiu o equivalente a quase meio bilhão de reais em 10 anos para apenas 240 sociopatas em tratamento. E isso sem comprovação de eficácia. “Pesquisas foram feitas, mas não há evidências fortes da efetividade. Seria preciso deixar metade sem tratamento e ver quem comete mais crimes após ser solto, o que traz um problema ético”, diz Roger Bowles, consultor ligado ao Ministério da Justiça britânico.
Mesmo com todas as críticas, especialistas da área apontam a ideia do sistema como um exemplo do que deve ser buscado na luta contra a crueldade: tratar em vez de apenas punir. As novas pesquisas já começam a ser usadas para questionar decisões judiciais. Zimbardo, por exemplo, testemunhou a favor dos torturadores de Abu Ghraib, embasando o argumento pela redução de pena, já que o ambiente ao qual os soldados foram submetidos teve influência decisiva para as atrocidades. Mas a ideia de que não se deve responsabilizar uma pessoa pelas suas ações más apenas começa a ser discutida. Polêmicas como “devemos intervir em pessoas predispostas à crueldade?” ou “é ético obrigar prisioneiros a tomar remédios que possam mudar a personalidade?” estão no início.
Por enquanto, nenhuma das terapias surgidas da compreensão dos mecanismos da maldade chega a ser uma resposta definitiva. No entanto, de acordo com Baron-Cohen, é preciso uma mudança de mentalidade para que formas mais eficazes sejam descobertas. “Nós podemos nos fiar à antiga ideia de que os criminosos precisam simplesmente ser punidos, ou tentar entender como isso aconteceu e tratar essas deficiências com um approach mais científico”, afirma o cientista, que teria motivos para preferir a primeira opção. Judeu, Baron-Cohen cresceu ouvindo histórias sobre as atrocidades que seus parentes e os amigos de seus pais sofreram, mas não se refere a nazistas como sádicos que optaram pela crueldade. Ele os considera doentes. “É hora de encarar a questão de uma forma mais lúcida.”
Novas técnicas de terapia também tentam atacar o problema. Resultados positivos de diminuição de agressividade e melhoria de empatia foram conseguidos pelo psicanalista húngaro Peter Fonagy, Ph.D. pelo University College de Londres. “Parece haver um mecanismo que desliga a vontade de ser violento quando percebemos a mente de outra pessoa. É mais fácil matar com uma arma à distância do que com uma faca”, pondera o criador do Mentalization, psicoterapia que envolve exercícios de imaginação. “Ajudamos o indivíduo a pensar em estados mentais dos outros mesmo quando está extremamente nervoso.”
Caminho semelhante é traçado pelo Programa para Pessoas com Severos Transtornos de Personalidade (DSPD, na sigla em inglês) do governo britânico. Num projeto piloto, 12 unidades começaram a tratar e vigiar crianças com graves distúrbios de conduta. A intenção é prevenir o surgimento de psicopatas, o que é bastante contestado entre especialistas. “São pesquisados também marcadores [genes ou substâncias] que indicam predisposição para a maldade. Mas seria ético abordar a pessoa antes de se tornar criminoso?”, pergunta Guy Kahane.
O principal braço do programa DSPD tenta provar que alterar a baixa empatia em criminosos é factível. Presos com psicopatia ou transtorno borderline são separados e tratados em 4 centros psiquiátricos de segurança máxima com drogas e psicoterapia intensiva. Após serem soltos, médicos avaliam seu estado mental e seu perigo para a sociedade periodicamente. De acordo com Hilda Morana, essa separação é positiva. “Em qualquer lugar, 20% dos presos são psicopatas e o restante é bandido comum. Se os dois estiverem juntos, é mais difícil de o bandido comum ser recuperado.”
O DSPD, no entanto, é questionado por ser extremamente caro. Relatórios mostram que o programa consumiu o equivalente a quase meio bilhão de reais em 10 anos para apenas 240 sociopatas em tratamento. E isso sem comprovação de eficácia. “Pesquisas foram feitas, mas não há evidências fortes da efetividade. Seria preciso deixar metade sem tratamento e ver quem comete mais crimes após ser solto, o que traz um problema ético”, diz Roger Bowles, consultor ligado ao Ministério da Justiça britânico.
Mesmo com todas as críticas, especialistas da área apontam a ideia do sistema como um exemplo do que deve ser buscado na luta contra a crueldade: tratar em vez de apenas punir. As novas pesquisas já começam a ser usadas para questionar decisões judiciais. Zimbardo, por exemplo, testemunhou a favor dos torturadores de Abu Ghraib, embasando o argumento pela redução de pena, já que o ambiente ao qual os soldados foram submetidos teve influência decisiva para as atrocidades. Mas a ideia de que não se deve responsabilizar uma pessoa pelas suas ações más apenas começa a ser discutida. Polêmicas como “devemos intervir em pessoas predispostas à crueldade?” ou “é ético obrigar prisioneiros a tomar remédios que possam mudar a personalidade?” estão no início.
Por enquanto, nenhuma das terapias surgidas da compreensão dos mecanismos da maldade chega a ser uma resposta definitiva. No entanto, de acordo com Baron-Cohen, é preciso uma mudança de mentalidade para que formas mais eficazes sejam descobertas. “Nós podemos nos fiar à antiga ideia de que os criminosos precisam simplesmente ser punidos, ou tentar entender como isso aconteceu e tratar essas deficiências com um approach mais científico”, afirma o cientista, que teria motivos para preferir a primeira opção. Judeu, Baron-Cohen cresceu ouvindo histórias sobre as atrocidades que seus parentes e os amigos de seus pais sofreram, mas não se refere a nazistas como sádicos que optaram pela crueldade. Ele os considera doentes. “É hora de encarar a questão de uma forma mais lúcida.”
Publicação Revista Galileu
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