A partir do processo de desinstitucionalização psiquiátrica, os serviços substitutivos têm sido a principal porta de entrada para as pessoas que buscam o atendimento em saúde mental.
O modelo hospitalocêntrico de atendimento em saúde mental começa a ser criticado a partir a década de 70, momento em que violência e as práticas de exclusão tornaram-se evidentes. Em meados dos anos 80, a influência da psiquiatria italiana corrobora com o final da ditadura no Brasil e abre espaço para novas formas de intervenção nesta área.
A proposta sanitarista em saúde mental, que visava tirar os doentes mentais da cidade ou limpá-la dos loucos foi cedendo lugar à idéia de desinstitucionalização. E, para que ocorra a substituição deste modelo de tratamento baseado no isolamento, faz-se necessária a construção e a oferta de procedimentos e serviços que possam dar conta desta demanda. Estes serviços deverão funcionar como o contraponto do hospital psiquiátrico, ocupando locais abertos, onde a equipe interdisciplinar reflita sobre o diagnóstico e sobre as possibilidades do uso de recursos terapêuticos – psicofarmacológicos e psicoterápicos.
A partir de 1992, quando o estado do Rio Grande do Sul aprovou a Lei da Reforma Psiquiátrica, serviços foram abertos com a proposta de regionalizar/setorizar o atendimento e reduzir a população atendida no estado. Em outubro deste mesmo ano, a Casa Aberta foi inaugurada e denominada Centro de Saúde Mental, posteriormente sendo credenciada como Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).
De acordo com o Ministério da Saúde, “um CAPS (...) é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida (...), realizando acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários”
CAPS – CENTRO DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL
Caps I e II – Jovens e Adultos
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são unidades de atendimento intensivo e diário aos portadores de sofrimento psíquico grave, elaborado por uma equipe multidisciplinar, constituindo uma alternativa ao modelo centrado no hospital psiquiátrico, caracterizado por internações de longa permanência e regime asilar. Os Centros de Atenção, ao contrário, permitem que os usuários permaneçam junto às suas famílias e comunidades. Os Caps passaram a ter, desde 2002, a função estratégica de articular as forças de atenção em saúde e as da comunidade, visando à promoção da vida comunitária e da autonomia de seus usuários.
O primeiro CAPS do país surge em março de 1987, com a inauguração do CAPS Luis da Rocha Cerqueira, na Cidade de São Paulo, e representa a efetiva implementação de um novo modelo de atenção em saúde mental para expressiva fração dos doentes mentais (psicóticos e neuróticos graves) atendidos na rede pública, sendo seu ideário constituído de propostas dirigidas à superação das limitações evidenciadas pelo binômio ambulatório-hospital psiquiátrico no tratamento e reabilitação de sua clientela.
Os CAPS configuram-se como serviços comunitários ambulatoriais e regionalizados nos quais os pacientes deverão receber consultas médicas, atendimentos terapêuticos individuais e/ou grupais, podendo participar de ateliês abertos, de atividades lúdicas e recreativas promovidas pelos profissionais do serviço, de maneira mais ou menos intensiva e articulada em torno de um projeto terapêutico individualizado, voltado para o tratamento e reabilitação psicossocial, devendo também haver iniciativas extensivas aos familiares e às questões de ordem social presentes no cotidiano dos usuários.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que os transtornos mentais de cerca de 450 milhões de pessoas ainda estão longe de receberem a mesma relevância dada à saúde física, sobretudo nos países em desenvolvimento. Estima-se que os transtornos mentais e de comportamento respondam por 12% da carga mundial de doenças, enquanto as verbas orçamentárias para a saúde mental na maioria dos países representam menos de 1% dos seus gastos totais em saúde; além do que, 40% dos países carecem de políticas de saúde mental e mais de 30% sequer possuem programas nessa área. Ainda, os custos indiretos gerados pela desassistência provenientes do aumento da duração dos transtornos e incapacitações acabam por superar os custos diretos.
No Brasil com gastos de 2,4% do orçamento do SUS em saúde mental e prevalência de 3% de transtornos mentais severos e persistentes e 6% de dependentes químicos tem havido sensível inversão do financiamento nos últimos anos, privilegiando-se os equipamentos substitutivos em detrimento dos hospitais psiquiátricos, como ilustra o fato de que em 1997 a rede composta por 176 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) recebia 6% dos recursos destinados pelo SUS à saúde mental, enquanto a rede hospitalar, com 71 mil leitos, recebia os outros 94%. Em 2004, os 516 CAPS existentes receberam 20% dos recursos citados contra 80% destinados aos 55 mil leitos psiquiátricos no Brasil.
O final do ano de 2006 marcou como dado histórico a efetiva reorientação de financiamento do governo em saúde mental, ou seja, se há dez anos os gastos hospitalares eram de 93,1%, hoje, 51,3% destinam-se aos gastos extra-hospitalares e 48,7%, aos gastos hospitalares. Os gastos com CAPS que, em 2002, eram por volta de 7 milhões de reais, cresceram visivelmente e hoje estão próximos dos 170 milhões de reais. Tais dados são a materialização da mudança do modelo assistencial que desloca os recursos financeiros e humanos para a comunidade, com reflexos nos contornos sociais, incluindo novas parcerias e modificação de valores, diminuindo o estigma e incentivando o pacto pela vida, não pela exclusão.
Tabela 1. – Evolução do número de CAPS no decorrer dos anos
Ano/Época | Nº de CAPS |
Final da década de 80 | 6 |
Década de 90 | 179 |
2002 (portaria 336) | 424 |
2007 | 1173+ |
Estrutura e Método de Trabalho
As equipes dos CAPS são formadas por vários profissionais de nível superior, como por exemplo, psiquiatras, psicólogos e enfermeiros, profissionais de nível médio como auxiliares para suporte em limpeza, cozinha e segurança patrimonial. O Imóvel deve ter estilo residencial, estar localizado em uma área de fácil acesso à população e contar com um ambiente que favoreça o acolhimento e a hospitalidade. O usuário deve ser estimulado a ver o local como um território livre e fácil de ser acessado. Os conceitos primordiais do serviço são o acesso universal e o acolhimento. Outro conceito fundamental é o acompanhamento, os CAPS têm a responsabilidade de dar continuidade ao cuidado do paciente, mesmo que ele não permaneça no serviço. O atendimento é sempre individualizado, de acordo com as necessidades do usuário. Os CAPS funcionam pelo menos durantes os 5 dias úteis da semana, o funcionamento nos finais de semana depende dos tipos de serviço prestados. Os CAPS podem fornecer remédios e assessorar usuários e seus familiares quanto a sua aquisição e administração, essa prática ocorre tanto nos grupos de medicação quanto individualmente.
OS CAPS são divididos de acordo com o tamanho da população atendida e o Público Alvo:
Tabela 2 – Divisão de CAPS por tamanho
Tipo | Tamanho |
CAPS I | Entre 20 e70 mil habitantes |
CAPS II | Entre 70 e 200 mil habitantes |
CAPS III | Acima de 200 mil habitantes |
Tabela 3 – Divisão de CAPS por público alvo
Tipo | Público alvo |
CAPSI | Infância e Adolescentes |
CAPSII | Adultos |
Dificuldades em relação à atuação do Psicólogo
A atuação do psicólogo no campo da saúde pública encontra-se relativamente indefinida. As necessidades da população usuária dos serviços de saúde mental pública e o tipo de formação básica que vêm recebendo os psicólogos atuantes nesses espaços são problemáticos. Esse é um dos principais desafios enfrentados pela Psicologia no campo da saúde pública.
As modificações ocorridas no sistema público de saúde (SUS) nas últimas décadas não foram acompanhadas de transformações semelhantes nos currículos dos cursos de graduação. Uma minoria dos estudantes de psicologia se especializa em saúde pública. Psicólogos que trabalham na saúde pública normalmente dedicam-se paralelamente ao consultório particular.
A desinstitucionalização do serviço prestado ainda parece um tabu para os profissionais na saúde mental. Não se consegue ainda pensar como seria a saúde mental sem o hospital e sem o serviço dos núcleos, como o CAPS. Existe uma tendência a compreender a desinstitucionalização como uma proposta que estivesse basicamente caracterizada pelo objetivo de se evitarem internações psiquiátricas. Não é desconstruir o manicômio como estrutura física, mas é desconstruir os manicômios mentais, essa construção que está no imaginário social do que é a loucura. Uma mudança de um olhar sobre a loucura é uma mudança do lugar social que a loucura tem tido desde que a psiquiatria se apropriou dela.
Psicólogos que trabalham no CAPS utilizam-se de diversas formas de interpretação quanto às doenças apresentadas pelo usuário deste serviço. Quanto à concepção de tratamento quase sempre são levados ao atendimento clínico e algumas vezes à reinserção social. Para a maioria dos psicólogos sua função está limitada à escuta e ao acompanhamento de usuários dentro do espaço físico restrito ao serviço.
Função do Psicólogo
Em CAPS, a função do psicólogo é trabalhar na ligação da pessoa com a vida cotidiana, não adianta ficar dentro de quatro paredes sem promover algum tipo de alteração no meio social em que ela vive.
O espaço de expressão, não é só a fala, não se está mais falando em patologia e sim em reinserção. O CAPS tem uma vertente clínica e uma psicossocial que não deve ser separado. Troca-se o manicômio pela reinserção no contexto social, o papel do CAPS hoje é tentar harmonizar o objetivo político com a intervenção direta sobre o sujeito. Contribuir para que haja alterações no exercício da vida cotidiana do usuário, no modo como as pessoas enxergam a doença mental.
O psicólogo precisa estar atuando em diversos espaços, atuando na comunidade, convidando a família para assim derrubar barreiras, quebrar preconceitos. Não é só tratar o paciente, a relação da família com a pessoa também deve estar em tratamento.
O atendimento clínico é o mais utilizado como uma das práticas desenvolvidas pelos psicólogos no CAPS. O suporte social às famílias de usuários e os grupos terapêuticos envolvendo usuários também são práticas de destaque.
O tratamento das pessoas com transtornos mentais através da reinserção social está caracterizado no âmbito do CAPS, mais como uma discussão teórica do que propriamente um conjunto de ações que mobilize os profissionais tanto quanto a atividade de atendimento clínico dos usuários e o suporte aos seus usuários.
Essa realidade afirma a dificuldade dos profissionais de psicologia em suportar as limitações do modelo tradicional de atuar e em propor alternativas mais próximas da demanda social dos novos contextos em recentemente vêm atuando.
Mercado de trabalho
As oportunidades no setor público estão bem mais amplas em todo o país, tanto em hospitais como em prefeituras, para os diversos serviços de atenção à saúde, em postos de saúde, fundações de apoio para jovens e projetos socioeducativos. O profissional participa de equipes multidisciplinares dos Centros de Referências.
Formação complementar do profissional
A pouca expressividade das práticas voltadas à promoção da reinserção social dos usuários também pode ser entendida pela baixa procura por uma formação continuada específica para atuar na área da saúde mental, o que tende a prevalência do modelo clínico e criar obstáculos à compreensão e execução da verdadeira proposta da atenção psicossocial, que é muito mais ampla.
Quanto à necessidade de formação complementar para atuar no CAPS, afirma-se que a psicanálise tem sido fundamental para dar suporte ao trabalho realizado. Mas está abordagem deve estar somada a outros referenciais: Reforma Psiquiátrica, Saúde Coletiva, Arte e Literatura. A formação complementar para se atuar nos Centro de Atenção Psicossocial deve ser a mais generalista possível. Um ponto importante é a especialização em Terapia Familiar, Saúde Coletiva e Saúde Mental.
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